A seca dos últimos dois anos agravou a situação de abandono dos jumentos no Nordeste, o jumento ficou, na expressão dos próprios nordestinos, “sem serventia”. Descartado no transporte de cargas, idosos e crianças, centenas deles estão sendo expulsas das fazendas, colocadas do lado de fora das cercas, ao deus-dará. Com fome e sem ter onde ficar perambulam pelas estradas em busca de comida. Provocam acidentes graves. Morrem e causam mortes.
O jumento estraga o pasto, compete com o boi pela comida. Os grandes (fazendeiros) não querem mais, e os pequenos não têm nem lugar onde pôr. A situação dos jumentos no Nordeste se arrasta desde que as motocicletas se popularizaram, vendidas a prestações de R$ 60 até em lojas de móveis da região.
Segundo o IBGE, o Nordeste tem 877.288 jumentos, quase a totalidade (90%) dos representantes da espécie no país. Apenas Maranhão, Ceará e Piauí ainda têm mais de cem mil animais cada um.
Segundo a Polícia Rodoviária Federal, o Nordeste registrou 1.783 acidentes com atropelamento de animais nas estradas em 2012. O estado com maior número de casos foi a Bahia, com 429 acidentes que resultaram na morte de 18 pessoas no ano passado. A Bahia é também o dono do maior rebanho de asininos do país — 254.277 cabeças, segundo dados do IBGE de 2011. Em Pernambuco, o atropelamento de animais na pista causou 16 mortes em 2012. No Piauí, foram 260 acidentes, com cinco mortes. Na maioria das vezes, o animal em questão é o jumento.
O problema é tão grave que a Polícia Rodoviária Federal e os Detrans estaduais passaram a criar estruturas para recolher os jumentos nas rodovias. No Ceará, o Detran apreendeu 11 mil jumentos no ano passado.
Os animais sadios, como cavalo e burro, são doados para associações. Bois, vacas e carneiros vão para entidades beneficentes, para alimentação. Mas, o jumento, ninguém quer, muitos jumentos recolhidos estão machucados, com as pernas quebradas, sem casco ou até mesmo com orelhas e rabo cortados. Para ajudar, a Uipa do Ceará conseguiu doação da ONG francesa One Voice e compra milho.
Só no ano passado foram apreendidos 2.500 animais que vagavam pelas estradas federais que cortam o Piauí. A maioria jumentos. Não é raro que sejam novamente soltos dois ou três dias depois e voltem a vagar pelo asfalto.
De acordo com o estudo do Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2012, uma em cada quatro residências dessas áreas contam com motos. No Sudeste, essa proporção é de um para quase sete domicílios. Em 2013, o número de motocicletas cresceu 12% tanto no Norte como no Nordeste. Esse boom é produto da equação entre baixo desemprego, políticas de transferências de renda, boa oferta de crédito e transporte público de baixa qualidade. Tornando o Norte e o Nordeste os principais mercados para a indústria de motos.
Porém o incentivo do governo federal a essa alternativa de locomoção se deu de forma “irresponsável”, pois as pessoas não são alertadas sobre perigos e vulnerabilidade do motociclista. Acidentes envolvendo motos provocaram 4.041 mortes no Nordeste brasileiro (7 por 100 mil habitantes) em 2011, segundo Datasus.Não há políticas públicas de educação para o trânsito, de treinamento para a habilitação e de fiscalização.
Nos últimos dez anos, a quantidade de motos no Nordeste disparou. Em 2001, eram 766.886 motocicletas registradas pelo Denatran (Departamento Nacional de Trânsito), o que significava 18% da frota regional. Em junho de 2011, a quantidade de motocicletas era de 3.662.463, um crescimento de 377% em dez anos e que hoje representa 36% da frota da região – no país, essa média é de 21%. O número de motos já é maior que o de automóveis em três dos nove Estados nordestinos – Ceará, Maranhão e Piauí.
A compra de motos causou uma desvalorização dos jegues ao longo dos anos. Hoje se vende jegue, a depender de seu estado de saúde e idade, por R$ 5. Tem muito animal no mercado. Muitos donos desistem de tentar vender e soltam esses animais na rua, nas pistas.
Segundo o Detran do Ceará, no primeiro semestre deste ano foram apreendidos mais de 7.500 jegues soltos em ruas e rodovias –o que representa mais de 80% das apreensões de animais soltos.
O avanço da frota preocupa o Ministério Público Estadual (MPE), não pelo número em si, mas em razão de os não habilitados serem maioria, principalmente no Interior.
Cerca de 2,5 mil jumentos são retirados das rodovias da Paraíba, por ano, e encaminhados aos municípios onde existem depósito de animais de grande porte que são poucos. No estado, são quatro cidades que recebem os animais recolhidos das estradas, tanto pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) como pelo Departamento de Estradas de Rodagem (DER).
Esses números representam mais de 50% dos animais recolhidos nas estradas. Eles são levados para depósitos localizados nas cidades Cajazeiras e Patos (ambas no Sertão paraibano) e para Campina Grande (na região do Agreste). A cidade de Cabedelo, na Região Metropolitana de João Pessoa, recebe os animais recolhidos por todo o Litoral do estado.
Nesses quatros depósitos os gestores reclamam que os locais vêm se transformando em criatórios de jumentos, porque ninguém aparece para resgatá-los.
fica caro para a Prefeitura manter os bichos sob o cuidado. Ele conta que a ração está muito cara e, além disso, há também despesas com mão de obra e transporte. Ainda há também a assistência veterinária
Chip irá monitorar bichos
Já em Campina Grande, no Agreste do estado, Rossandra Oliveira, gerente de vigilância Ambiental da Prefeitura de Campina Grande, disse que no Centro de Zoonoses do município há uma superpopulação de jumentos. Ou seja, eles representam mais de 50% dos animais que estão recolhidos no local. O Centro de Zoonoses já teve que alugar uma fazenda para colocar os bichos, devido ao grande número de animais lá abrigados.
Ela acredita que muitos deles podem ter voltado às rodovias após serem adotados e mais uma vez foram recolhidos ao Centro. "Nós estamos com uma parceria com a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) para passarmos a utilizar um chip nesses animais com o objetivo de monitorá-los. Nós queremos saber se eles não são os mesmos que saem daqui para adoção. O objetivo é evitar que eles sejam adotados por pessoas que não têm realmente o interesse de cuidar deles", explicou.
Em Campina Grande, o único destino que é dado aos animais também é a adoção.
No município de Cabedelo, na Região Metropolitana de João Pessoa, existem no momento 45 jumentos no depósito.