As estradas endógenas (não-oficiais) estão
definindo uma nova dinâmica de ocupação na
Amazônia. Os atores locais (principalmente,
madeireiros) têm construído milhares de quilômetros
dessas estradas em terras públicas, que avançam
desordenadamente e geram graves impactos
ambientais e socioeconômicos.
Em 2001, as estradas endógenas somavam cerca de 20.796 quilômetros de
extensão no Centro-Oeste do Pará. A abertura dessas
estradas freqüentemente facilita a grilagem, o
desmatamento, a exploração predatória de madeira
e a ampliação dos conflitos pela posse da terra. Neste
O Estado da Amazônia, apresentamos os resultados
do mapeamento de estradas endógenas no Centro-
Oeste do Pará, bem como sugestões para a ampliação
do seu monitoramento. Para mitigar esses
impactos, recomendamos ao poder público: (i) fiscalização
prioritária nos locais mais críticos das estradas
endógenas; (ii) criação de novas áreas protegidas,
especialmente, Unidades de Conservação; e (iii)
regularização fundiária.
Estradas Endógenas
Estradas endógenas são construídas em terras públicas
geralmente por agentes privados. A atividade
madeireira tem um papel preponderante na abertura
dessas estradas.1 Milhares de quilômetros de estradas
endógenas estão sendo abertos em áreas florestais,
em geral, sem planejamento e sem as autorizações
exigidas por lei.2 Embora em alguns casos essas estradas
sejam “municipalizadas” –o que incrementa a infra-
estrutura local e traz benefícios socioeconômicos–,
freqüentemente, a sua abertura descontrolada
na Amazônia catalisa a exploração madeireira
predatória e a grilagem de terra,
além de contribuir para as queimadas e desflorestamento
posterior.3
Centro-Oeste do Pará
Neste estudo de caso, focalizamos o
Centro-Oeste do Estado do Pará; uma
área de 546.000 quilômetros quadrados
(44% do Estado), com população de aproximadamente
1,1 milhão de habitantes em
2000 (17% do Pará).4 A maioria dessa região
é coberta por florestas intactas, e as
áreas protegidas ocupam 40% do seu território.
A parte central da região possui uma grande área de terras devolutas, conhecida como
“Terra do Meio”, onde vários conflitos fundiários
têm sido reportados.3 O desmatamento no Centro-
Oeste do Pará tem avançado rapidamente nos últimos
anos, impulsionado pela expansão da pecuária
extensiva e agricultura, e o setor madeireiro na região
está em plena expansão, com cinco grandes pólos
madeireiros: Santarém, Itaituba, Novo Progresso,
Altamira e Uruará.5
Esta região possui uma concentração notável de
estradas endógenas. Três fatores estimulam a abertura
dessas estradas. Primeiro, a abundância de florestas atrai
o setor madeireiro. Segundo, a existência de grandes
áreas devolutas incentiva a grilagem de terras. E, por
último, a perspectiva de asfaltamento da BR-163 (Cuiabá-
Santarém) tem catalisado uma grande corrida para
o controle dos recursos naturais da região.
Expansão das Estradas Endógenas
Até 1990, as estradas endógenas somavam 5.042
quilômetros no Centro-Oeste do Pará. Em 1995, a
expansão dessas estradas aumentou para 8.679 quilômetros,
e, em 2001, elas já totalizavam 20.796 quilômetros,
representando 82% das estradas existentes
(Tabela 1). Enquanto as estradas retas ao longo
da Rodovia Transamazônica correspondem à ampliação
de ramais construídos para fins de colonização,
as estradas sinuosas perto de São Félix do Xingu e
Novo Progresso são características da exploração
madeireira e garimpeira, respectivamente (Figura 1).
Na parte central da região, entre o rio Xingu e a
BR-163, localiza-se a maior estrada endógena, com cerca
de 215 quilômetros. Essa estrada permite o acesso a
extensas áreas de floresta intacta. Na parte mais sudoeste
(perto de Novo Progresso), localiza-se a “Rodovia
do Ouro” –que sai da BR-163 em direção ao Amazonas.
Com cerca de 180 quilômetros, essa estrada foi
aberta por garimpeiros na década de 80 para permitir o
acesso às jazidas de ouro da Bacia do Tapajós.6
O crescimento médio das estradas endógenas
na região quase duplicou em dez anos, passando de
9,85 km/10.000 km2 por ano, em 1990-95, para 19,25
km/10.000 km2 por ano durante 1996-2001.
Em 2001, esse avanço foi ainda mais expressivo em Santarém
(57,22 km/10.000 km2) e São Félix do Xingu (73,24
km/10.000 km2), bem como ao sul de Novo Progresso
na BR-163 (39,34 km/10.000 km2).
Tabela 1. Evolução das estradas endógenas no Centro-Oeste
do Pará.
Estradas Endógenas nas Áreas Protegidas
A presença de áreas protegidas7 tem freado, mas
não impedido o avanço das estradas endógenas. De
fato, o avanço dessas estradas é duas a três vezes menor
nas áreas protegidas do que nas áreas não protegidas.
Porém, as estradas endógenas têm avançado
sobre as Terras Indígenas Menkragnoti, Kayapó, Trincheira
Bacajá e Apyterewa (perto de São Félix do
Xingu) e outras áreas protegidas como a Floresta Nacional
do Tapajós e a Reserva Extrativista do Arapiuns
(perto de Santarém). Notamos um padrão sinuoso
de estradas nas Terras Indígenas, indicando a exploração
florestal ilegal nessas áreas. Além de avançar
nas áreas protegidas, as estradas endógenas penetram
nos grandes blocos de floresta potencialmente
adequados para a criação de futuras áreas protegidas,
como ocorre a oeste de São Félix do Xingu.
Implicações para Políticas Públicas
O processo de expansão de estradas endógenas
prossegue sem informações precisas sobre a localização,
extensão e o ritmo de expansão dessas estradas.
Propomos um novo método para monitorar, por meio
de imagens de satélite, as estradas endógenas na Amazônia.
8 Com investimentos baixos, esse monitoramento
poderia ser ampliado. Segundo estimativas do Imazon, o monitoramento das regiões onde as estradas
endógenas estão mais concentradas na Amazônia
requereria aproximadamente 100 pessoas/dia por período.
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(Inpe) fornece gratuitamente as imagens de satélite e
um software adequado para analisá-las (SPRING).9
As informações geradas pelo monitoramento
de estradas endógenas poderiam guiar três medidas
para fortalecer o papel governamental no ordenamento
de fronteiras na Amazônia:
Priorizar a Fiscalização. A identificação dos
locais críticos onde a expansão de estradas endógenas
é concentrada e/ou acelerada serve para priorizar
a fiscalização do poder público (por exemplo, Ibama,
seus congêneres estaduais e o Ministério Público)
nesses locais. Assim, intervenções como a confiscação
de máquinas e a punição de infratores teriam
maiores efeitos.
Criar Unidades de Conservação. A localização
de estradas endógenas poderia ser um critério
para priorizar a criação de Unidades de Conservação,
como medida preventiva. Como revelamos neste
estudo, as áreas protegidas têm freado o avanço de
estradas endógenas.
Regularizar o Acesso à Terra. O monitoramento
de estradas endógenas identificaria locais prioritários
onde o Incra e órgãos estaduais de terras
deveriam acelerar a regularização fundiária. Tal medida
poderia reduzir os conflitos sociais nas futuras
frentes de ocupação na Amazônia.
*Autor correspondente: souzajr@imazon.org.br.
1 Além de madeireiros, outros agentes como garimpeiros, agricultores e fazendeiros também abrem
estradas endógenas e/ou freqüentemente se beneficiam delas.
2 A construção de estradas deve ser baseada em estudos prévios de impacto ambiental (Conama
01/86) e deve conter as licenças prévias e de instalação e operação exigidas pelo Conama 237/
97. O não cumprimento dessas normas está sujeito às punições previstas na Lei de Crimes
Ambientais 9.605/98.
3 Relatório Brasileiro sobre Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais (2003):
//www.rits.org.br/rets/download/emdestaque_040403.zip.
4 IBGE. Censo Demográfico 2000. www.ibge.gov.br
5 Veríssimo, A.; Lima, E. & Lentini, M. 2002. Pólos madeireiros do Estado do Pará. Belém: Imazon. 72 p.
6 Bezerra, O.; Veríssimo A. & Uhl, C. 1996. The regional impacts of small-scale gold mining in
Amazônia. Natural Resources Forum 20: 305-317.
7 Áreas protegidas referem-se a Terras Indígenas, Unidades de Conservação e Áreas Militares.
8 Usamos 20 cenas de satélite do sensor Landsat relativas a três períodos (1985-90, 1991-95 e 1996-
2001) e o mapa de estradas do IBGE para 1999. Usando o software Arcview 3.2, digitalizamos
todas as estradas nas cenas do primeiro período na escala de 1:50.000. Comparando as imagens
digitalizadas com o mapa do IBGE, foi possível distinguir as principais estradas oficiais das estradas
endógenas. Em seguida, o incremento das estradas endógenas foi digitalizado para os períodos
1991-95 e 1996-2001. Dessa maneira, mapeamos as principais estradas endógenas da região.
9 O site do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)- http://www.obt.inpe.br/prodes/
fornece gratuitamente as imagens de satélite; o software (SPRING) para analisá-las pode ser
obtido no site http://www.dpi.inpe.br/spring/.
A pesquisa na qual este O Estado da Amazônia é baseada foi financiada pelo Banco ABN AMRO,
por meio do World Resources Institute - Washington, D.C., e pela Fundação Ford. Veríssimo
contou com o apoio da Fundação AVINA.