Em Bagé-RS, duas bezerras Jersey acabam de reforçar a prática, que já envolve mais de 40 animais.
Desde a ovelha “Dolly” até os dias de hoje qual o criador que não sonha em multiplicar seus melhores animais? Mesmo que com a “Dolly” os resultados finais não tenham sido lá tão animadores, as experiências que existem com a clonagem nos bovinos, feitas inicialmente pela pesquisa e hoje disseminadas em alguns projetos particulares, têm demonstrado que o caminho para a excelência pode estar na geração de cópias perfeitas de indivíduos top.
Segundo o veterinário José Henrique Fortes Fontes, da In Vitro Brasil, empresa de genética de Mogi Mirim- SP, diferente das outras técnicas em que se cruza dois indivíduos para se originar um terceiro, na clonagem apenas se cria uma cópia de um indivíduo que já existe na natureza.
Explica quea clonagem consiste em criar uma cópia geneticamente idêntica de um ser vivo e também não pode ser confundida com a transgenia, por exemplo, pois no caso dos clones não existe mudança genética, como na transgênese.
“O criador deve optar pela tecnologia quando perde por acidente um animal de alto valor genético ou também quando a demanda pela genética de um touro ou uma vaca, por exemplo, é tão grande que um indivíduo somente não daria conta de atender”, aconselha
Fontes.
Em laboratório, o técnico cria a chamada linha celular do indivíduo a ser clonado. Geralmente, o clone é feito de um pequeno pedaço de pele do animal, do tamanho de um grão de feijão. A clonagem é feita a partir do núcleo da célula daquele pedaço de pele retirado do animal. Esse núcleo contém as características genéticas do indivíduo e é implantado no lugar do núcleo de
um óvulo de reprodução, retirado de uma fêmea abatida. A célula, que antes era da pele, se reprograma para se transformar em um embrião.
A linha celular do indivíduo clonado se multiplica in vitro infinitamente e, com isso, é possível fazer quantos clones se quiser. O embrião, com sete dias de vida, é transferido para o útero
de uma vaca receptora. A duração da gestação é a mesma de uma gravidez normal, mas o parto é induzido. Como não é uma gravidez natural, o organismo da mãe não libera os hormônios que provocam o parto normal.
- Na descrição feita pelo veterinário de todo o processo de clonagem funciona, o que mais chama atenção é o preço. São R$ 50 mil pelo primeiro clone e R$ 25 mil pelo segundo. O produtor assina um contrato de R$ 50 mil, dá uma entrada de 50% e o material (biopsia de pele) é coletado para a produção do clone.
No caso da Cyagra Brasil, empresa responsável por alguns projetos de clonagem no País e fruto de uma parceria entre In Vitro e Cyagra/EUA desde 2005, o prazo para a produção é de dois anos a partir da assinatura do contrato.
O valor é correspondente a todo o procedimento e envolve coleta do material, produção da linhagem celular, armazenamento deste material, clonagem propriamente dita, transferência
dos embriões para receptoras, manutenção de receptoras até o parto, manutenção do clone até os 90 dias ou data de entrega. No ato da entrega do animal o proprietário deve pagar os outros 50% para retirá-lo e isso não inclui o valor da receptora.
Embora admita que a limitação na adoção de tecnologia ainda possa estar no valor, Fontes acredita que em médio prazo a tecnologia possa ser mais adotada no País. “Ao crescer a demanda, a tendência é baixar os custos”, avalia.
Outro fator que deverá incentivar a adoção é a regulamentação destes animais clonados.
Segundo ele, nos Estados Unidos, por exemplo, há regulamentação para produção de leite e de carne e a venda de animais clonados.
Desde o acordo entre In Vitro e Cyagra já foram clonados mais de 40 animais no Brasil e cerca de 300 no mundo, especialmente na Argentina e países da América do Norte. No Brasil, os clones estão espalhados em propriedades de São Paulo, Goiás, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul. A maior procura pela tecnologia, segundo Fortes, é na pecuária de corte. Entre os mais famosos estão cinco clones do touro “Bandido”, aquele que participou de uma novela em horário nobre. O touro morreu no mês retrasado em Icem-MG.
Segundo Andréa Basso, diretora de produção da In Vitro Brasil, o que justifica a clonagem é a qualidade genética do animal e o valor que o mercado pode pagar por isso. É viável clonar vacas ou touros, desde que o mercado justifique a procura por esse material genético. Se um touro, por exemplo, vende muito sêmen e não dá conta de atender à demanda é possível cloná-lo. No caso das fêmeas, assim que iniciam sua produção de óvulos, por volta dos 12
meses, podem ser clonadas para a produção de embriões.
Quanto maior a procura pela genética do animal, mais rápido será o retorno ao investimento
da clonagem, acredita Basso.
EM BAGÉ-RS, DOIS CLONES DE JERSEY – É nessa idéia que aposta a criadora Zuleika Borges Torrealba, da Cabanha da Maya, localizada em Bagé-RS. Ela mantém, cercadas de cuidados, duas bezerras idênticas da raça Jersey, clonadas da vaca “Responses Wonder”, campeã da raça nos Estados Unidos, importada há alguns anos para coroar a genética do plantel da propriedade.
Os animais acabam de completar seis meses. De olho no futuro e com um projeto ambicioso nas mãos, o objetivo da criadora não é ganhar dinheiro com o leite, mas produzir uma genética capaz de competir em pistas de julgamento da raça como as do Canadá, por exemplo, país que em sua opinião reúne grandes campões da raça Jersey.
A fêmea que deu origem aos clones morreu em janeiro de 2007. “Ela era perfeita”, garante Torrealba. Não só perfeita, mas adorada pela criadora, o que explica a construção da lápide de
mármore para enterrar o animal na entrada da Cabanha. A idéia da clonagem na Cabanha da Maya começou a tomar vulto com o episódio da doença da fêmea. “No momento em que o veterinário da propriedade constatou que ela teria pouco tempo de vida contratamos uma empresa para colher material para uma futura clonagem”, conta Torrealba.
Quando “Wonder” foi adquirida nos Estados Unidos, por acordo também ficou lá uma reserva de material genético. O material coletado aqui no Brasil foi enviado para São Paulo com duas opções: se a célula colhida aqui não progredisse, seria usada a dos Estados Unidos. Porém, as células colhidas em Bagé foram propícias, viraram embriões e, em julho do ano passado, nasceram os dois clones: “Excelência TNT Wonder 01 da Maya” e “Excelência TNT Wonder 02 da Maya”.
Segundo o administrador da propriedade, Chico Vieira, chegar aos clones foi a primeira vitória. Alcançar os registros junto ao Ministério da Agricultura será a segunda. Ele admite que outro obstáculo para adoção da tecnologia foi o custo. O primeiro clone custou R$ 50 mil, e o segundo, R$ 25 mil.
“Acredito que nos próximos tempos este procedimento irá se tornar, não diria uma rotina, mas uma solução. Se você tem um animal top, que cumpre com todas as perspectivas dentro da criação, poderá ter suas células armazenadas para uma futura clonagem e continuar com seu trabalho. É o seguro de um animal com genética superior”.
Segundo ele, na inseminação artificial ou na transferência de embriões, se consegue animais da mesma linhagem genética, mas que, às vezes, não se revelam, não mostram a quê vieram. Já na clonagem, você tem um animal idêntico à matriz. Tudo indica que ele terá todas as características do original.
“Esta é a nossa expectativa”, cita Vieira.
CUIDADOS ESPECIAIS NA CRIAÇÃO – Além das duas fêmeas clonadas, a propriedade tem mais um projeto de clonagem em andamento. Há também material coletado, que está armazenado para clonagem de mais quatro animais. Todos da raça Jersey. Por enquanto, todo o trabalho está voltado para o resultado que os dois clones poderão imprimir ao rebanho. Assim que atingirem cerca de 300 kg, as fêmeas serão inseminadas. Somente aí será possível verificar a capacidade reprodutiva e as qualidades produtivas dos clones. Delas se espera, no mínimo, os mesmos resultados da “Responses Wonder”. Todo o investimento na adoção de tecnologia, manejo e instalações na propriedade, segundo a criadora, tem sido feito nos últimos anos em busca da sustentabilidade.
“O que de início foi um hobby, agora deverá ser rentável. Com a transferência de embriões, a fertilização in vitro e a clonagem, o processo pode ser mais rápido”, admite Torrealba. “O que
se fazia em 10 ou 15 anos, hoje se consegue em menos de cinco”. Na Cabanha da Maya, a criação de bezerras, provenientes de fertilização in vitro, transferência de embriões ou inseminação artificial é feita separada das receptoras. Os animais mais novos são separados na desmama a partir de uma avaliação. Se a receptora é de boa índole e de temperamento calmo, as crias permanecem mais dias. “Se ela for nervosa, separa na hora e cria no bezerreiro”, conta Vieira. Os clones recém-chegados foram criados com a receptora porque precisavam de um tempo maior de adaptação.
“Eles são mais sensíveis que os animais normais”, conta Andréa Basso. Segundo ela, o clone recém-nascido geralmente é mais sensível que um animal normal. Por conta disso, é acompanhadodesde o parto até completar 90 dias de idade, quando é entregue ao proprietário, desde que esteja completamente saudável. Durante este período recebe colostro, cuidados especiais com o umbigo para que se feche sem complicações e fica em baia individual.
Segundo o administrador da propriedade, os clones chegaram a Bagé e logo receberam um bom reforço de feno “para abrir costelas e se tornarem competidoras na categoria de terneiras”. Com estes clones, a cabanha está revivendo todo o trabalho que imprimia com a “Responses Wonder”, afirma Vieira. Para ele, ver estes produtos em pista será uma enorme satisfação. “Nosso cenário ideal é, um dia, com as fronteiras do Brasil livres de doenças, selecionarmos duas vacas crioulas da Cabanha da Maya, embarcálas em um avião e levá-las para disputar o Royal Show, no Canadá, uma das maiores exposições de gado leiteiro do mundo e a maior do Canadá”.