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Invadindo a Floresta: doenças emergentes, re-emergentes e gestão de florestas tropicais.

A ocupação do espaço pela raça humana é um processo inevitável e contínuo; e a expansão em direção e por dentro de espaços florestais é, igualmente, um fato que se dá e se dará no futuro. Faz-se, portanto, necessário, pensar e bem avaliar os meios e processos de como isto ocorre e ocorrerá. Dentro do âmbito da gestão ambiental inerente a este processo, devemos levar em conta as questões relativas à ecologia microbiana.

O impacto microbiológico pode se dar de diversas formas na interação humana com os ambientes florestais. Tal impacto é considerado dentro de prazos de tempo que não correspondem com exatidão adequada aos prazos temporais que a Natureza leva para responder a estes mesmos impactos. Em relação a esta defasagem temporal torna-se necessário pensar sobre a incidência de doenças relacionada a perturbações de áreas florestais e à presença humana nestas áreas perturbadas, sobre o risco de se desencadear problemas de saúde pública relacionadas com o surgimento de doenças novas e com o reaparecimento de doenças já conhecidas e consideradas controladas.

Mais complexo e talvez mais danoso do que meramente reduzir o tamanho das áreas de florestas – o que é outro problema grave – a invasão do homem representa duas coisas: primeiro, um tipo de contato específico, caracterizado pela formação de uma espécie de ecótono; uma situação de superposição ou convivência em um mesmo espaço ou ambiente de uma ecologia eminentemente humana e a ecologia própria das florestas tropicais. Neste caso se enquadram as situações de extrativismo, favelização de periferias urbanas, grilagem e invasão de terras e todas as demais torrentes humanas que acompanham a abertura de estradas e a criação de pontos de colonização. Esta região fronteiriça é uma região crítica para a problemática das doenças infecciosas transmitidas por vetores artrópodes. O segundo tipo de contato é o dos grandes empreendimentos econômicos e de infraestrutura. Nestes casos, além do contato – talvez mais bem estruturado, pelo menos em relação ao espaço ocupado pelo empreendimento em si – há atividades de interferência no meio ambiente que podem atualizar potenciais problemas de saúde com mosquitos transmissores de doenças.

A gestão ambiental de florestas tropicais é um desafio, onde quer que tais florestas existam e principalmente quando se trata de um país onde muitos recursos se localizam em áreas florestais, e quando grandes porcentagens do país são cobertas por elas. Nestes casos as estratégias de gestão devem englobar também questões de saúde pública que se coloquem além da preocupação com saúde ocupacional e do trabalho. Isto porque a riqueza destes ecossistemas inclui vários vetores de doenças conhecidas e desconhecidas. Deste tipo de gestão faz parte também à análise dos riscos envolvidos, assim como a busca de maiores conhecimentos destes ecossistemas que ainda permanecem em grande parte desconhecidos do homem.

A percepção de que as doenças infecciosas estão voltando à ordem do dia devido a fenômenos como a resistência a medicamentos e ao surgimento de novas doenças, encaixa-se na questão da gestão (uso e ocupação) de florestas: O contato mal planejado e o desconhecimento dos efeitos possíveis sobre a ecologia local, causados por empreendimentos econômicos foram tratados em diversos trabalhos de levantamento realizados sobre vetores e doenças em áreas de florestas tropicais.

Após um período em que tal tipo de doença parecia ter sido controlado, com a maioria das doenças infecciosas sendo mantidas sob controle ou debeladas pelo uso de novos medicamentos, vacinas e avanços da medicina, vemos o problema reaparecer na esteira de diversas atividades humanas. O CDC (Center for Disease Control) define doenças emergentes como sendo doenças infecciosas cuja incidência aumentou nas duas últimas décadas ou tendem a aumentar no futuro. Várias são as circunstâncias que podem caracterizar tais doenças: o surgimento de um novo agente etiológico anteriormente desconhecido (AIDS/HIV) ou o aumento da incidência e disseminação de doença antes controlada (cólera). Outras doenças têm sua incidência aumentada em decorrência do crescimento do grupo exposto; surgimento de agentes microbianos resistentes; exposição a animais vetores ou hospedeiros aos quais antes não estava exposto e doenças cujo aumento de incidência decorre diretamente de uma vigilância ineficiente ou insuficiente.

Os novos agentes etiológicos têm provavelmente a sua origem nas amplas transformações sociais observadas nos últimos 25 anos, acompanhadas de várias transformações nos ecossistemas importantes. Os novos comportamentos epidemiológicos observados para doenças antigas, por sua vez, indicam alterações importantes na resistência, infectividade e patogenicidade de vários agentes etiológicos, relacionadas à habilidade e versatilidade genética de genes carregados por elementos extracromossômicos tais como plasmídeos e fagos, transferidos de organismo para organismo por conjugação, transdução ou transformação, acelerando assim as mutações. É preciso acrescentar que a extrema versatilidade genética dos vírus e bactérias permite, em muitos casos, por simples mutação, o surgimento de variabilidades adaptativas as quais permitem a eles escapar às barreiras imunes naturais. Nestes casos, um “novo” patógeno surge a partir de outro já conhecido. Aparentemente foi este o caso da mais destruidora das pandemias enfrentadas pela humanidade, a Gripe de 1918.

Sabe-se que as infecções emergentes surgem e acometem pessoas vivendo ou trabalhando em áreas que atravessam mudanças ecológicas de origem antrópica: o desflorestamento e o reflorestamento aumentam a exposição a insetos, a animais e a fontes ambientais que podem albergar agentes infecciosos novos ou incomuns. Estudos da distribuição geográfica de parasitas e de doenças transmitidas por vetores revelam a existência de sinergias entre a destruição das florestas tropicais, perda de biodiversidade e alterações climáticas, com impactos potenciais à saúde. Animais e plantas também passam a apresentar maior vulnerabilidade.

No Brasil, soma-se ao recrudescimento da malária em áreas de garimpo, do dengue e da AIDS, o aparecimento de novas febres viróticas como a febre oropuche e a encefalite do vírus rocio. Recentemente foi isolado um novo arenavírus, denominado sabiá, agente de uma febre hemorrágica. Na América do Sul, na Amazônia, diversas novas viroses, especialmente arboviroses, têm sido descritas nas últimas décadas. Muitas destas doenças chamadas emergentes pertencem à categoria das zoonoses. Isto deixa clara a questão do envolvimento de humanos com ambientes silvestres. Em certos casos o reservatório animal destas doenças é desconhecido até hoje, como nos casos do ebola e do vírus sabiá. Esta informação é especialmente relevante, quando se pensa em estratégias de gestão ambiental em florestas, uma vez que é difícil planejar quando falta uma informação desta importância. Qualquer tentativa de previsão de impactos fica claramente prejudicada em tais circunstâncias. Como foi devidamente salientado pelo cientista americano Joshua Lerderberg, Nobel de 1955, nós estamos mais expostos a um tipo de “acidente” como a pandemia da Gripe Espanhola atualmente por uma série de razões: o aumento no número e no ritmo de contatos e interações humanas; a degradação do meio ambiente humano e natural pela busca e exploração selvagem de recursos naturais; o aumento da promiscuidade em megalópoles super populadas; o fenômeno da invasão e ocupação de novas áreas geográficas graças às novas tecnologias.

Por volta de 1988, importantes cientistas americanos, virologistas e especialistas em medicina tropical estavam bem conscientes desta nova problemática. Sabiam que a Natureza segue seu próprio curso; que organismos vivos adaptam-se; que a humanidade não está isolada dos processos do planeta; e que, na maioria dos casos, o que ela tem conseguido ao tentar livrar-se dos micróbios é apenas selecioná-los. O historiador William MacNeill descreveu em linhas gerais como as doenças têm acompanhado o Homo sapiens e seus progressos, de modo que “É bom ter em mente que quanto mais conquistamos, mais impelimos as infecções aos limites da existência humana, mais abrimos caminho para uma possível infecção catastrófica”. Jamais escaparemos aos limites do ecossistema. Queiramos ou não, somos apanhados na cadeia alimentar, comendo e sendo comidos.

O imperativo do desenvolvimento se mantém em todas as sociedades, com a modificação importante da preocupação com o meio ambiente, que tem levado à busca do desenvolvimento sustentável, à criação de legislação adequada e ao incentivo à educação ambiental em diversos níveis da sociedade. Para atingir esta meta de desenvolvimento sustentável, se faz necessário levar em conta a pratica da gestão ambiental especialmente adequada às florestas tropicais, que têm sido invadidas pela cultura e populações humanas, e assim orientar corretamente e de forma responsável e consequente qualquer processo de tomada de decisão em relação ao futuro das florestas tropicais.

Vale a pena citar aqui o pensamento de Konrad Lorentz em seu livro Civilização e pecado. Segundo o autor as interdependências que existem entre espécies animais e vegetais, em um mesmo espaço vital formando uma comunidade ou biocenose são extremamente complexas e a adaptação mútua, que se realizou ao longo de períodos de tempo com ordem de grandeza geológica e não correspondente à história humana, levou a um equilíbrio frágil. As transformações lentas causadas pela evolução ou por mudanças progressivas das condições climáticas compromete este equilíbrio do espaço vital. Por outro lado, mudanças e intervenções súbitas, por menores que pareçam, podem ter consequências inesperadas e até catastróficas. A ecologia humana se transforma com rapidez muito maior que a de todos os outros seres vivos, provocando modificações profundas e levando mesmo à ruína das biocenoses nas quais vive e das quais vive. O ser humano tende a fabricar por meio da agricultura, da criação animal e da tecnologia, uma nova biocenose cuja viabilidade, em longo prazo, é problemática. Isto ocorre porque a solução daquilo que para o homem passou a constituir um problema, e antes era um fato natural, geralmente acarreta o surgimento de dois novos problemas, muitas vezes não previstos pelos meios naturais de solução de problemas. Isto se chama desequilíbrio.

Devemos ficar atentos a situações onde a semelhança entre agentes patogênicos pode significar um caminho futuro de mutação. Sabe-se que o vírus do sarampo é parente próximo do vírus causador da peste bovina. Essa grave doença epidêmica se manifesta no gado e em muitos mamíferos ruminantes selvagens, mas não no homem. O sarampo, por outro lado, não atinge o gado.

Podemos estabelecer quatro fases na evolução de uma doença humana a partir de um precursor animal.

Diretamente de animais domésticos ou de estimação: a leptospirose dos cães, a brucelose das vacas e a psitacose de galinhas e papagaios. Também podemos contrair doenças de animais selvagens como a tularemia de coelhos.

Um antigo agente patogênico animal evolui até o ponto em que é transmitido diretamente entre pessoas e causa epidemias. Foi o caso do vírus O’nyong-nyong, surgido no leste da África, em 1959 e transmitido provavelmente por um vírus de macaco, por meio de mosquitos, a seres humanos. A doença apareceu e desapareceu de forma misteriosa, após “imunizar” aqueles que se recuperaram.

Antigos agentes patogênicos de animais que se alojaram em seres humanos, não desapareceram e ainda podem, ou não, vir a se tornarem grandes assassinos da humanidade, como o ebola e a febre de Lassa.

Doenças epidêmicas restritas aos seres humanos, que são as sobreviventes evolutivas da passagem dos animais para os humanos.

Podemos especular a respeito do que acontece durante estas fases, quando uma doença exclusiva dos animais se transforma em uma doença exclusiva humana. Uma transformação pressupõe a mudança do vetor animal intermediário, quando um micróbio, que depende de um vetor artrópode para a transmissão, muda-se para um novo hospedeiro. Neste caso o micróbio pode ser obrigado a encontrar um novo artrópode também. Este foi o caso do tifo. Esta doença era transmitida inicialmente, entre ratos, por pulgas de ratos, as quais por um tempo também foram capazes de transmitir a doença a seres humanos. Posteriormente, o agente patológico passou a ser transmitido a humanos pelos piolhos do corpo humano, o que foi uma forma mais eficiente de transmissão para humanos. Atualmente uma nova rota foi “descoberta” pelos micróbios para chegar aos humanos: infectar os esquilos voadores americanos que se abrigam nos sótãos das casas.

Em termos de influência do tamanho das populações sobre a questão da disseminação das doenças infecciosas, para o estabelecimento bem sucedido em uma população de hospedeiros, um agente precisa atingir uma taxa reprodutiva básica maior do que um. Em geral, isto significa que cada infectado individual infecta em média mais de um indivíduo. Assim o tamanho crítico necessário de uma comunidade para a perpetuação da maioria das doenças epidêmicas é determinante para as complexas interações entre hospedeiro e agente patológico. Também devem ser levados em conta fatores como se a transmissão é direta ou indireta; sazonalidade; incubação; latência; período de infecção do hospedeiro; existência e duração da imunidade adquirida do hospedeiro e requisitos de reprodução do agente.

Tamanho e densidade da população envolvida é variável chave na epidemiologia, influenciando na introdução de novos agentes na população; suas chances de se estabelecer; a taxa de suas disseminações; a evolução de sua virulência e a capacidade da evolução cultural humana em se defender. Outros fatores importantes são a homogeneidade genética das populações, o que pode influenciar sua vulnerabilidade imunológica aos agentes a que são expostas; e as movimentações geográficas de tais populações, o que pode servir para propagar alguns agentes infecciosos.

Os seres humanos têm sido bem sucedidos em desenvolver sociedades industriais o que, por sua vez, tem aumentado os desafios que enfrentam e tornou a humanidade uma força global. A abertura de clareiras nas florestas é o mais comum dos usos da terra causador de modificações geralmente ocorrendo em conexão com a agricultura, o que pode exercer efeitos positivos e negativos no meio ambiente epidemiológico. Os efeitos positivos estão em reduzir o contato com fontes e reservatórios de doenças que pertençam /habitem a floresta, incluindo primatas que constituem os mais prováveis reservatórios naturais de doenças emergentes. Isto é especialmente verdade nos casos de desmatamentos intensos ou homogêneos, que realmente afastam a área de floresta do contato com humanos. Os efeitos negativos estão justamente no caso oposto, quando este contato é facilitado. Este é o caso da febre amarela quando o mosquito haemagogus é levado ao convívio humano, o que pode levar ao início de epidemias de febre amarela, com a doença sendo propagada pelo mosquito, vetor doméstico Aedes aegypti. No Brasil, o mais efetivo vetor amazônico é o Anopheles darling, uma espécie da floresta e das bordas florestais. A espécie humana não se limita a ocupar o entorno, mas recorta a floresta estradas e vias secundárias que mergulham fundo nas áreas florestais. Em 2003 o Grupo de Assessoria Internacional (IAG) do Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil redigiu um relatório sobre o PPA 2004-2007. O relatório constatou que a própria perspectiva da instalação de obras de infraestrutura basta para criar o fenômeno de abertura de fronteiras na região, sendo que a presença e a ação do governo em tais frentes, onde é comum a ocupação de terras e a grilagem, é insignificante. Este fenômeno de ocupação desordenada gera intenso desmatamento. O que se verifica, apesar das tentativas de não cometer antigos erros na região, é que eles estão sendo repetidos, uma vez que as primeiras grandes obras planejadas para o PPA 2004-2007 deixaram de incorporar aspectos críticos ao avaliar eficiência econômica, social, ambiental e de uso da terra, tanto em áreas de impacto direto quanto nas atividades por elas induzidas. As populações tradicionais e os agricultores representam socialmente um ponto de grande fragilidade. O problema da grilagem é crítico. A regularização fundiária e o ordenamento territorial são pré-condições fundamentais para a realização sustentável de qualquer grande obra de infraestrutura. Este mesmo grupo de estudos aponta o caso da BR-163 como exemplo crítico desta situação. Constatou o agravamento da situação fundiária na área de influência desta estrada, uma vez que a expectativa criada em torno da notícia desta obra gerou súbito movimento de ocupação. Da mesma forma foi detectado, nestas situações, um clima de desobediência civil aberta e declarada tanto em relação à legislação ambiental quanto à situação fundiária; o aumento das invasões de Áreas de Conservação e de Terras Indígenas. Outros exemplos podem ser citados: o Poliduto Urucu-Porto Velho; as Hidrelétricas do rio Madeira; as Hidrovias do sistema Alto Madeira-Guaporé-Beni; as Rodovias Humaitá-Lábrea e Manaus-Porto Velho; o Linhão interligando Rondônia com o Mato Grosso, Santarém-Manaus e o Centro de Biotecnologia da Amazonia (CBA).

Caso grave ocorre na terra dos índios Araras (Cachoeira Seca) entre a Transamazônica e a região chamada Terra do Meio. Nestes casos detecta-se a proliferação de estradas endógenas e ilegais, como é o caso da estrada conhecida como Transirirí, criada com o apoio de políticos locais e investimento de madeireiros. Parques Nacionais e FLONAS são invadidos e suas terras comercializadas. O estudo aponta para duas formas de expansão da fronteira: a do agronegócio, relativamente ordenada e rapidamente consolidada, e a fronteira móvel, envolvendo madeireiros, pecuaristas e produtores familiares. Proliferam maneiras ilegais de consolidação de posse da terra, como procuradores laranja que apresentam requerimentos de grileiros relativos a terras públicas e usam tais protocolos para legitimar suas ofertas de terras no mercado local; usam o desmatamento (para demonstrar uso da terra), compra de posses não tituladas de pequenos agricultores; colocação de placas indicando propriedade privada.

O problema das Estradas Endógenas é extremamente grave. Representam e definem uma nova dinâmica de ocupação da Amazônia, e um processo sobre o qual há muita dificuldade de se atuar. Trata-se da ação privada sobre terras públicas, caracterizada por avanço desordenado, sem planejamento ou autorização legal. Em 2001, cerca de 20.796 Km de extensão deste tipo de estrada ( 82% das estradas existentes ) puderam ser encontrados no centro oeste do Pará. Elas facilitam a grilagem, o desmatamento e a exploração predatória de madeira, e aumentam o contato humano com espécies desconhecidas. Há uma concentração destas estradas na região dos cinco grandes pólos madeireiros de Santarém, Itaituba, Novo Progresso, Altamira e Uruará. Os elementos apontados como atratores: abundância de florestas; grandes áreas devolutas e a perspectiva de asfaltamento da rodovia BR-163 (Cuiabá-Santarém). Entre o rio Xingu e a BR-163, está a maior estrada endógena, com 215Km, dando acesso a extensas áreas de floresta intacta. Perto de Novo Progresso (sudeste da região) fica a “Rodovia do Ouro” que sai da BR-163 em direção ao Amazonas, com cerca de 180Km, aberta por garimpeiros na década de 80 para chegar às jazidas de ouro da Bacia do Tapajós. O crescimento médio destas estradas duplicou em dez anos. As áreas de proteção servem para conter um pouco a expansão, mas não a impedem; enquanto as áreas de terras indígenas são ainda menos respeitadas e nelas as estradas apresentam um padrão sinuoso indicando exploração florestal ilegal.

Quando as ecosferas são submetidas a grandes tensões, ocorre predominância de espécies de flora e fauna que são capazes de se adaptar às condições transformadas e, consequentemente, as espécies menos flexíveis tendem a ser preteridas. O resultado é a perda de biodiversidade. Se a área for devastada ou ecologicamente desequilibrada, e as espécies substituídas eventuais tiverem uma diversidade inadequada para assegurar um equilíbrio apropriado entre flora, fauna e micróbios, podem surgir novos fenômenos de doenças. Assim, o desflorestamento bem como o reflorestamento pode levar a emergência microbiana a aumentar. A intervenção humana cria novas ecologias, que apenas parcialmente podem ser controladas pelos desígnios humanos.

A urbanização precária como a que ocorre na periferia das grandes cidades da Amazônia, com habitações irregulares e em esquema de invasões, próximas à floresta, permite que mosquitos deixem o ambiente silvestre e cheguem a estas habitações. A zona de interface urbano/floresta é muito vulnerável.

Hidroelétricas também podem afetar as populações de mosquitos no local assim como a exploração de madeira, quando indivíduos entram na floresta e se expõem a diversos mosquitos vetores. Este é o caso do vírus mayaro, do oropuche e o da febre amarela. A abertura da Transamazônica parece ter sido responsável pela febre de Altamira, causada por um mosquito, e que provoca alteração no sangue, na imunologia e causa sangramento. O extrativismo, como o praticado pelos seringueiros, também expõe as populações humanas a certos agentes, no caso, a uma lagarta que vive na árvore (seringueira).

É importante deixar claro que muitos vírus foram encontrados na região da floresta Amazônica. Entre estes novos vírus muitos encontrados associados a construções de estradas; práticas de mineração e construção de reservatórios de hidroelétricas. Relacionados com a abertura de estradas, na década de 70, os novos vírus encontrados incluíam seis membros do serogrupo Phlebotomus; doze do Changuinola; muitos da família Bunyaviridae. Relacionados com a construção de represas, em 1990, estudos mostram em Balbina e Samuel cinco membros do serogrupo Phlebotomus; trinta do Changuinola e um do Gamboa além de vírus não classificados. No caso de Tucuruí, noventa e uma cepas de vírus relacionados ao tipo Gamboa foram encontradas.

Num período de 1954 a 1998, um total de 187 diferentes espécies de arbovírus, além de outros vírus de vertebrados, foram identificados pelo Instituto Evandro Chagas entre mais de 10.000 cepas de vírus isolados em seres humanos, insetos hematófagos e vertebrados-sentinelas e silvestres. Destes, 32 agentes são patogênicos para o Homem, causando febres, doenças hemorrágicas e encefalites. Quatro destes vírus são de relevância para a saúde por causarem doenças sérias e até epidemias. São eles: dengue; febre amarela; mayaro e oropuche.

A infecção humana é geralmente acidental, sendo normalmente um beco sem saída para o vírus. Dá-se, em geral, pela invasão humana do nicho ecológico do agente infeccioso. Com exceção da febre amarela, do dengue e do oropuche urbanos, os seres humanos não parecem ter papel essencial na manutenção e disseminação das doenças por arbovírus na região amazônica. É importante enfatizar que diferentes arbovírus podem ser transmitidos pelo mesmo mosquito e podem também infectar diferentes espécies de vertebrados, incluindo humanos. Um único vírus pode infectar e ser transmitido por várias espécies de mosquitos de gêneros diferentes.

O tempo social é fundamentalmente de curto prazo; o tempo do desenvolvimento científico e tecnológico é, basicamente, de longo prazo; enquanto que o tempo da dinâmica evolutiva dos sistemas naturais é, essencialmente, de longuíssimo prazo. Em termos de gestão, é a previsibilidade do risco de ocorrência de eventos que permite orientar qualquer intervenção seja a análise de riscos à saúde, avaliação de desastres naturais ou a possibilidade de encontrar uma nova doença cujo ciclo e cujo impacto sobre as populações humanas é desconhecido.

A previsão de futuros riscos só pode ser feita no do âmbito dos conhecimentos atuais e obedece à temporalidade e à lógica de curto prazo do tempo social. Está sujeita, ainda, à temporalidade igualmente de curto prazo do desenvolvimento socioeconômico. Este descompasso pode gerar uma falsa sensação de segurança quanto ao risco que se corre ao estabelecer contato com novas áreas ecologicamente complexas que não conheceram ainda a presença humana ou, pelo menos, a presença de humanos cujos sistemas imunológicos não estão preparados para o contato com as formas de vida deste ecossistema.

Os problemas ambientais (as doenças emergentes são um deles) e ecológicos são, em geral, resultado e consequência dos sucessos biológicos da espécie humana e do papel dominante da ação humana sobre os diversos ecossistemas e de sua capacidade de dominar mecanismos de controle biológico. A acumulação de conhecimentos nas ciências da vida, ao permitir interferências e manipulações, implicou também um crescente processo de simplificação dos ecossistemas naturais. As mudanças na sociedade, na tecnologia e no ambiente podem levar a uma nova era de confronto com a morte e com a invalidez. Estaria favorecendo a evolução/disseminação de agentes patogênicos, fazendo com que o espectro de doenças infecciosas se altere e expanda. Assim, o homem representa um forte impacto selecionador sobre os patógenos, especial e ironicamente, na medida em que luta contra eles. Ao erradicá-los abre nichos ecológicos para outros patógenos, sobre os quais pouco se pode prever em termos de comportamento futuro; ao mantê-los sob pressão sem erradicá-los completamente, força-os a se modificarem para criar resistência aos medicamentos e a criarem mutações que podem vir a ser mais prejudiciais ainda e que não podem ser previstas.

Ecologicamente é um problema interessante: a introdução de uma espécie como o homem, que tem múltiplas relações com as outras espécies, em um sistema natural, não aumenta a complexidade do sistema, mas de fato pode mesmo acarretar uma simplificação do sistema sob a forma de danos, incremento descontrolado de algumas espécies, destruição de ecossistemas inteiros. Os resultados desta ação simplificadora dos sistemas naturais são a desertificação, o desflorestamento, a erosão do solo, a degradação das terras irrigadas, poluição ambiental e agrícola, o aquecimento global, a destruição de espécies e a emergência de novas doenças.

A questão da previsão da emergência de novas doenças e da reemergência de doenças já conhecidas diz respeito ao estudo das complexidades dos sistemas naturais e de seu comportamento ecológico. Da mesma forma, o problema da emergência e da reemergência de doenças deve ser contemplado em qualquer plano de manejo de áreas protegidas que envolvam áreas florestadas relativamente desconhecidas; os EIA RIMA a serem feitos para qualquer empreendimento de infraestrutura a serem implantados em áreas florestais e planos de expansão de áreas urbanas.

A confrontação de previsões feitas no passado com a realidade atual mostra divergências que têm relação com a ocorrência do inesperado. É a imprevisibilidade que permite pensar diferentes cenários alternativos e analisar imagens prospectivas do futuro, baseados em nossos conhecimentos presentes. É necessário, portanto, aliar prognóstico e prospectiva, na tentativa de estabelecer modos e ação e gestão ambiental de florestas tropicais no que diz respeito ao contato humano/agentes patológicos novos.

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