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POLÍTICAS PÚBLICAS DE PROTEÇÃO AOS ANIMAIS:


RESUMO:

A discussão em torno das políticas públicas ambientais no Brasil ganha força pela globalização das proposições de movimentos ecológicos do final do século passado, oriundos principalmente da Europa e EUA. Nessa perspectiva, a garantia constitucional de preservação e proteção da fauna legitimou a construção de lutas por políticas públicas de proteção aos animais no Brasil. Com pressões desencadeadas pelos novos sujeitos sociais que lutam por essas proposições, tem-se na atualidade o crescimento pela demanda por essas políticas públicas. Analisar o processo de transformação das lutas sociais em defesa dos animais em questão pública - suas lutas e efetividades - requer, portanto, a compreensão dos processos de formulação e implementação destas, o seu conjunto de ações coletivas determinantes,as relações de poder, as intermediações institucionais, dentre outros fatores.

Palavras-chave: Políticas Públicas, Direito dos animais.

1 INTRODUÇÃO

A relação de convívio entre humanos e animais é uma realidade muito antiga. Considera-se que a origem da inserção dos animais nas relações do homem com seu meio confundem-se, senão com o próprio surgimento da humanidade (DIAS, 2000), certamente com a consolidação das características originárias dos conceitos de humanidade, cultura e sociedade. (ENGELS, 2010). Muitos pesquisadores consideram ainda que o uso de animais pra diversos fins, com destaque para a alimentação humana, constituiu um dos marcos para o surgimento dos grupamentos humanos, desde os menos complexos (DIAS, 2000).

Nos tempos atuais, evidentemente o homem ainda se relaciona com os animais, sobretudo no contexto de uso desses, em que o domínio e a subjugação dos mesmos ao seus interesses é algo predominante. São usados de várias formas para diversos fins humanos, dos mais banais aos mais vitais. Os objetivos variam de fonte de alimentação, ferramenta de trabalho, modelos biológicos de pesquisas científicas, ou mesmo para situações mais triviais, como para mero entretenimento humano.

Mas esta realidade não se apresenta indiscutível e sem passividade de reflexão. Desde tempos mais antigos, essas relações usuais geram discussões acerca das ameaças e desconsiderações à proteção física e psíquica desses animais, assim como a transgressão dos seus direitos fundamentais e bem-estar (PAIXÃO, 2001a);

Nessa perspectiva, há mais de duzentos anos que os movimentos sociais em defesa dos animais eclodiram em vários lugares do mundo (NAOE, 2012). Na atualidade, as lutas sociais pela aprovação de leis de proteção e bem-estar animal se intensificaram e os deveres de proteção animal estão se tornando cada vez mais uma questão pública.

Herdeiros, dentre outros fatores, da trajetória em que se desenvolveu os movimentos sociais em defesa do meio ambiente, da revisão ética das pesquisas envolvendo seres humanos e das militâncias em defesa dos direitos humanos do final do século XX, as discussões sobre a defesa dos animais impulsionaram o surgimento de literaturas filosóficas, científicas e jurídicas sobre a temática, fóruns de debates e, sobretudo, movimentos sociais de proteção aos animais, dentro da perspectiva de política ambiental:

Basicamente, a política ambiental no Brasil se desenvolveu em resposta às exigências do movimento internacional ambientalista iniciado a partir da segunda metade do século XX, durante a década de 1960. Assim, a criação das instituições e legislações designadas especificamente concentra-se nas quatro últimas décadas do século XX (PECCATIELLO, 2011, p.71).

No Brasil, em 1895, Wallace e Cochrane fundaram a União Internacional Protetora dos Animais, UIPA, primeira instituição protetora no Brasil. Desde então, diversas outras entidades e associações de defesa dos animais começaram a surgir e com elas mudanças, especialmente no cenário legislativo.

As lutas sociais dos movimentos em defesa dos animais estão cada vez mais relacionadas com a demanda por políticas públicas voltadas para a garantia dos direitos ambientais que beneficiam os animais no Brasil, destinados à saúde, proteção, defesa e bem-estar desses. Ainda que se constitua um desafio social superar a barreira do especismo e trazer para a esfera das políticas públicas seres que, devido ao hábito antropocêntrico, são negligenciados em suas necessidades, a realidade de políticas públicas para proteção dos animais está cada vez mais se positivando, para além da tomada de meros discursos éticos. No Brasil, por exemplo, apesar da sua característica conservadora no que diz respeito à Políticas Públicas (FAGNANI, 1992), muitas dessas políticas já estão sendo implementadas sejam na forma de instituições específicas - como ocorre na cidade de Porto Alegre, que possui a Coordenadoria Multidisciplinar de Políticas Públicas para Animais Domésticos (COMPPAD) e a Secretaria Especial dos Direitos Animais (Seda) - ou na forma de ações governamentais das secretarias municipais ou estaduais de meio ambiente.

A postura diante dos animais, portanto, tornou-se progressivamente, não somente um problema que envolva valores morais, mas também valores políticos, sendo uma questão pública no mundo todo, em função da exigência social por legislações que protejam e amparem as necessidades dos animais e da sociedade por políticas públicas que efetivem obrigações do poder público.

2 SUJEITOS SOCIAIS EM DEFESA DOS ANIMAIS

Os exemplos de movimentos e instituições que lutam para diminuir o sofrimento dos animais e pressionar o poder público para que cumpra seu papel no contexto da proteção e bem-estar animal são muitos. As trajetórias divergem, portam contradições e peculiaridades a cada contexto em que estão inseridas. Contudo, trazem à ordem do dia em muitos lugares do mundo e no Brasil, a necessidade de reflexões e debates que tratem da questão dos animais, especialmente com o advento da internet e as facilidades de comunicação e informação dos dias atuais.

Embora os movimentos sociais façam parte da dinâmica da sociedade, o conceito surge por volta de 1840 como categoria para estudar o movimento proletário e o comunismo e socialismo emergentes. (Ramirez, 2000, p. 50). Houve, na segunda metade do século passado importantes deslocamentos e rupturas, ocasionando o surgimento do conceito de novos movimentos sociais. Segundo Boaventura de Sousa Santos (1996) a novidade maior reside no fato de estes novos movimentos identificarem novas formas de opressão, para além da crítica da regulação social tanto capitalista quanto socialista. Isso se comprova na diversidade de temas presentes nestes movimentos: gênero, paz, anti-racismo, anti-produtivismo, além de lutas por direitos como moradia, terra, saúde e educação.

Ainda de acordo com Santos (1996), existem peculiaridades que diferenciam os movimentos sociais dos países ricos e pobres. Os movimentos dos países centrais referem-se a temas tais como a ecologia, o feminismo, o pacifismo ou de consumidores, entretanto aqueles da América Latina possuem uma ligação de base diferente, são movimentos populares com reivindicações fortemente relacionas às necessidades de subsistência e com características impuras, o que significa dizer que misturam mais de uma identidade, juntando, por exemplo, elementos de classe com juízos étnicos ou sexuais, dentre outros. Isso não deixa de ser verdade, mas também observamos que os movimentos de proteção animal, tipicamente ligados a cenários europeus, em especial Inglaterra, França e Alemanha, vêm se tornando presentes e fortes em vários locais da América Latina. Há quem diga que a questão dos animais (maus-tratos, abandono, uso em experimentação) ganha mais destaque do que a sua analogia em seres humanos.

O redimensionamento do popular: A categoria “popular” passou de uma compreensão genérica como algo do “povo” para uma compreensão mais específica de identificação com as classes subalternas. Assim, a partir da segunda metade do século XX temos referência à cultura popular, ao teatro popular e à educação popular como expressão contra-hegemônicas. Havia, nestas definições, uma clara conotação classista. Os assim chamados novos movimentos sociais trazem um redimensionamento do popular, devolvendo-lhe um sentido mais amplo de público, muitas vezes nitidamente transclassista, como é o caso dos movimentos ecologistas, feministas ou de gays. (TOURAINE, 2004, p. 152).

No Brasil, peculiaridades culturais, relacionadas a certas infraestruturas éticas, desencadeiam as forças sociais desses grupos de interesse que se relacionam na busca da consolidação de dimensões políticas integradas aos seus objetivos. Devido a mudanças em relação aos valores sociais, interesses e objetivos de ação, surgem atores, particularmente em tempos de rupturas sociais e políticas, que se empenham a favor de modificações dos estilos de comportamentos políticos. Suas dinâmicas demonstram o condicionamento de estilos políticos pelas representações de valores, ideias, sentimentos e pelas orientações e atitudes predominantes na sociedade, o que comumente é subsumido sob o conceito de cultura.

Esses movimentos possuem papel fundamental no processo de influência política, uma vez que muito da formulação de políticas públicas se realiza através de concepções preferenciais de seus formuladores, sensibilizadas por pressões sociais.

Assim, é possível constatar a influência dos atores na execução das políticas públicas:

Estes, direta ou indiretamente, interferem na formulação, na decisão e na fiscalização de tais políticas, o que demonstra que as características das ações políticas em determinado período de tempo estão relacionadas aos interesses de grupos hegemônicos da sociedade. Dentro desta perspectiva, Abreu (1993) apud Vieira e Bredariol (1998, p. 78) afirma que políticas públicas são mediações “político-institucionais das inter-relações entre os diversos atores presentes no processo histórico-social em suas múltiplas dimensões (economia, política, cultura etc.) e são implementadas pelos atores políticos através de instituições públicas” (PECCATIELLO, 2011,p.73)

3 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA ANIMAIS

As políticas públicas traduzem, no seu processo de elaboração e implantação e, sobretudo, em seus resultados, formas de exercício do poder político, envolvendo a distribuição e redistribuição de poder, o papel do conflito social nos processos de decisão, a repartição de custos e benefícios sociais (GUILHON, 2002). Como o poder é uma relação social que envolve vários atores com projetos e interesses diferenciados e até contraditórios, há necessidade de mediações sociais e institucionais, para que se possa obter um mínimo de consenso e, assim, as políticas públicas possam ser legitimadas e obter eficácia.

Elas também não são da mesma natureza ou grau da intervenção (estrutural ou conjuntural), nem tampouco têm a mesma abrangência dos possíveis benefícios (universais, segmentais ou fragmentadas) ou impactos que podem causar aos beneficiários, ou ao seu papel nas relações sociais (distributivas, redistributivas ou regulatória) (SOUZA, 2006). Por isso, é necessário, em relação a cada tipo de política, verificar quais são as estratégicas em determinadas conjunturas.

No caso, quais são os aspectos desses movimentos que precisam ser considerados no processo de formulação de políticas públicas em defesa dos animais.

Percebe-se, portanto, que as políticas públicas, dentro de uma visão sistêmica (DYE, 1984) são um processo dinâmico, com negociações, pressões, mobilizações, alianças ou coalizões de interesses. Compreende a formação de uma agenda que pode refletir ou não os interesses dos setores majoritários da população, a depender do grau de mobilização da sociedade civil para se fazer ouvir e do grau de institucionalização de mecanismos que viabilizem sua participação. Assim nos fala Souza (2002, p. 30):

Esta tipologia [sistêmica] vê a política pública como um ciclo deliberativo, formado por vários estágios e constituindo um processo dinâmico e de aprendizado. O ciclo da política pública é constituído dos seguintes estágios: definição de agenda, identificação de alternativas, avaliação das opções, seleção das opções, implementação e avaliação.

É preciso entender composição de classe, mecanismos internos de decisão dos diversos aparelhos, seus conflitos e alianças internas da estrutura de poder, que não é monolítica ou impermeável às pressões sociais, já que nela se refletem os conflitos da sociedade.

Assim nos diz Bonetti (2007, p. 74):

Entende-se por políticas públicas o resultado da dinâmica do jogo de forças que se estabelece no âmbito das relações de poder, relações essas constituídas pelos grupos econômicos e políticos, classes sociais e demais organizações da sociedade civil.Tais relações determinam um conjunto de ações atribuídas à instituição estatal, que provocam o direcionamento (e/ou o redirecionamento) dos rumos de ações de intervenção administrativa do Estado na realidade social e/ou de investimentos

Nesta perspectiva, trata-se de políticas públicas para animais no assentamento de bases que, em um processo dinâmico, constituem a formulação e implementação de políticas públicas.

4 CONCLUSÃO

Envolver os animais na esfera das formulações e implementações de políticas públicas no Brasil, apesar de mostrar-se como tendência das ações públicas, ainda não é algo aceito univocamente. Discutir e buscar regulamentar o uso de animais pelo homem, restringindo hábitos arraigados, assim como instituir políticas públicas que demandem dinheiro público para beneficiar seres que não os cidadãos, comporta inúmeras determinações e novas perspectivas. A ideia da relevância das relações humanas sobre as demais é predominantemente antropocêntrica e especista (SINGER, 2010), não levando muito em consideração outras relações, ambientais por exemplo, em diversos conceitos e estudos acerca das ditas questões sociais. É fácil visualizar a forma como é concebida as ideias e práticas da cultura, da ciência, do direito, da ética e da política, no que diz respeito ao hábito arraigado de se dispor dos animais para diversos fins, como se fosse uma relação natural e indiscutível, assim como reificada.

De fato, a questão é emergente, relacionando-se à um misto de fatores, como aqueles ligados à saúde pública, à crise ambiental e às reivindicações de movimento sociais ligados à sociedade civil e a responsabilidade pública com relação aos animais. Isso implica em uma revisão de valores éticos e políticos outrora cristalizados, como aqueles que buscam criar o abismo entre a espécie humana e os outros animais (especismo). Se As políticas públicas constituem um dos principais resultados da ação do Estado, e cabe ao Estado a formulações que garantam a proteção à fauna, dentre as especificidades, o de coibir atos de crueldade animal, legitima-se a demanda por ações públicas voltados à defesa dos animais.


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