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METABOLISMO DO ESTRESSE: IMPACTOS NA SAÚDE E NA PRODUÇÃO ANIMAL

Introdução

Os animais necessitam suprir suas necessidades fisiológicas, comportamentais e psíquicas para sobreviver num ambiente que está em constante transformação. A capacidade para interagir e responder a essas alterações é o que possibilita a adaptação e a sobrevivência dos indivíduos. As alterações ocorridas no ambiente e no organismo animal provocam uma quebra do equilíbrio orgânico, em outras palavras da homeostasia, e a capacidade adaptativa sobre estas alterações é chamada de metabolismo do estresse. O estresse visto de uma forma mais clara, é uma resposta fisiológica do organismo provocado pela alteração da homeostasia, que busca fornecer ao corpo subsídios para responder e adaptar-se a estas alterações.

Se houver o prolongamento do processo estressante, haverá transtornos no organismo, refletindo-se em alterações produtivas, reprodutivas, comportamentais e psíquicas. Existe a necessidade de compreender o metabolismo do estresse e a resposta do animal a esta influência. Para isto, é importante entender as causas do estresse em animais domésticos ou silvestres, produtivos ou não, para que se possa agir na minimização de seus efeitos, possibilitando um melhor ambiente para a criação animal.

A ocorrência de transtornos produtivos nos animais, seja por influência antrópica ou ambiental, faz com que a avaliação dos parâmetros do estresse sobre a fisiologia necessitem ser mais precisos, para poder prever as alterações e evitá-las, tornando possível melhorar o bem estar animal.

Mecanismo do estresse

Classicamente, um agente estressor é aquele que possui a capacidade para alterar a homeostasia, provocando a ativação do eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal. Como exemplos de agentes estressores, pode-se citar fome, dor, calor/frio, ansiedade, medo, entre outros fatores. O agente estressor inicialmente provocará um estímulo nervoso que chega ao cérebro, mais precisamente no hipotálamo, provocando a liberação do hormônio liberador de corticotropina (CRH) no núcleo paraventricular. O CRH irá atuar sobre a adenohipófise estimulando a produção e secreção do hormônio adrenocorticotrópico (ACTH) e de β-endorfinas, sendo que o ACTH irá através da circulação sangüínea até o córtex adrenal estimular a secreção de glicocorticóides, principalmente cortisol ou corticosterona, dependendo da espécie. O sistema nervoso simpático também é ativado, estimulando a liberação de adrenalina e noradrenalina nos terminais nervosos simpáticos e na medula adrenal (DUKES, 1996).

Os glicocorticóides, em conjunto com as catecolaminas irão provocar alterações metabólicas visando mobilizar e fornecer energia para o organismo, através da lipólise, da glicogenólise e da degradação de proteínas, dando subsídios para que o corpo possa restabelecer o equilíbrio (GONZÁLEZ et al, 2003). Além destes efeitos, ocorre a secreção de arginina vasopressina (ADH), ocitocina, prolactina, hormônio somatotrófico (GH) e do hormônio estimulador da tireóide (TSH) que irão atuar promovendo o aumento da produção e secreção de ACTH e β-endorfinas na adenohipófise e no aumento da atividade metabólica geral.

A regulação do eixo HPA é fornecida por um mecanismo de retroalimentação negativa (feedback negativo) pelos glicocorticóides, que atuam sobre o hipotálamo, inibindo a liberação de CRH, e na adenohipófise, inibindo a secreção de ACTH.

De forma geral, o mecanismo do estresse pode ser dividido em três etapas ou fases: a reação de alarme, a fase de resistência e a fase de esgotamento. A primeira fase, a reação de alarme, pode ser subdividida em fase de choque e fase de contra-choque. A fase de choque consiste no desencadeamento provocado pelo agente estressor que irá ativar o eixo HHA. Nesta fase, ocorre também a participação do sistema nervoso autônomo, ativando as respostas físicas, mentais e psicológicas ao estresse (SELYE, 1937).

Na segunda fase, conhecida como fase de resistência, há uma atuação predominante da adrenal, ocorrendo uma atuação máxima de glicocorticóides e catecolaminas. Estes atuam ativando a glicogenólise no líquido extra-celular e a glicogênese e gliconeogênese no fígado, inibindo a insulina e estimulando o glucagon. Isto permite um maior aporte de glicose para o todo o organismo, principalmente para as células cerebrais e musculares. Os glicocorticóides atuam também controlando as catecolaminas, que necessitam de glicose para sua síntese. Se o agente estressor permanecer, então o organismo passa para a fase de esgotamento. Nesta fase começam a falhar os mecanismos adaptativos e inicia-se um déficit energético, pois as reservas corporais estão esgotadas. As modificações biológicas que ocorrem nesta fase são semelhantes a primeira fase, porém o organismo não tem mais capacidade de prover substratos energéticos para o corpo. Este mecanismo adaptativo do organismo é conhecido como Síndrome da Adaptação Geral, que viabiliza a manutenção da vida diante das transformações constantes.

Efeitos do estresse sobre os animais

São bem conhecidos os efeitos dos hormônios do estresse sobre a função reprodutiva. Sabe-se que o CRH atua de forma inibitória sobre o hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH) no hipotálamo, o que provoca um inibição no eixo hipotalâmico-hipofisário-gonadal (HHG). Em conseqüência disso, a hipófise não secreta o hormônio luteinizante (LH) e o hormônio folículo estimulante (FSH) (RIVIER et al, 1991).

O cativeiro por si só é um fator limitante ao animal, sendo que algumas espécies não conseguem adaptar-se na vida cativa, desenvolvendo a chamada síndrome da má adaptação, onde os animais iniciam um processo de anorexia que pode levar à morte (FEDULLO, 2001).

Sabe-se que níveis aumentados de corticóides influenciam na resposta imune, inibindo a resposta inflamatória, afetando a atuação das células T, além da diminuição da migração de leucócitos para áreas inflamatórias. Dessa forma, este mecanismo pode ser benéfico temporariamente, diminuindo a resposta inflamatória em situações agudas, porém sendo prejudicial em situações crônicas. Além disso, se o estresse for prolongado, os glicocorticóides atuam de forma destrutiva nos tecidos, inibindo o crescimento somático e ósseo.

Existem evidências de que o excesso de sons em zoológicos pode influenciar negativamente a função reprodutiva em alguns animais, como demonstrado em panda gigante (Ailuropoda melanoleuca) (OWEN et al, 2003). Estudos de comportamento dos pandas gigantes também fizeram com que as taxas reprodutivas triplicassem em sete anos, através do enriquecimento ambiental, observação dos sinais de estro, e familiarizando os casais através de estímulos visuais e olfativos no período reprodutivo (ZHANG et al, 2003). Programas de enriquecimento em zoológicos com pandas cativos, tem demonstrado ser efetivos para promover o bem estar animal, aumentando as taxas reprodutivas destes animais e minimizando o estresse do cativeiro (HARE et al, 2003).

Tem sido demonstrado que o transporte para transferência de recintos em zoológicos pode atuar de forma estressante em tigres (Panthera tigris) cativos, através do aumento dos níveis de cortisol, alterando negativamente também seu comportamento (DEMBIEC et al, 2003). Em elefantes cativos, o estresse leva ao aparecimento de comportamentos repetitivos como balançar constante de cabeça, observação comum em circos.

Animais de vida livre também sofrem os efeitos do estresse e alguns trabalhos demonstram isto de forma interessante. Em grous (Grus americana) a dosagem de corticóides fecais nas aves migratórias demonstrou aumento dos níveis nas aves submetidas a migrações. (HARTUP et al, 2004). Um trabalho feito comparando-se níveis fecais de cortisol em cheetah (Acinonyx jubatus) cativas mostraram altos níveis em comparação com animais de vida livre, associados com baixos níveis de testosterona, sendo evidência de estresse crônico e baixos índices reprodutivos (TERIO et al, 2004).

Os primatas do gênero Alouatta sp tem sido mantidos em cativeiro com dificuldades devido a má adaptação da espécie, desenvolvendo quadros de anorexia, inanição, úlceras gástricas, infecções secundárias e morte. Baixas taxas reprodutivas também são registradas nesta espécie, devido ao estresse crônico. Outros primatas apresentam comportamentos esterotipados e automutilação em virtude de um ambiente pouco atrativo. O aumento do comportamento auto-direcionado (catação, toque, coçar) em primatas não-humanos servem como indicadores de estresse e ansiedade (HOHENDORFF, 2003).

A dosagem de corticosterona fecal em primatas pode ser um parâmetro na avaliação do bem estar em programas de enriquecimento, pois primatas em cativeiro muitas vezes desenvolvem uma diminuição, ou mesmo eliminação de seus comportamentos naturais, o que leva a eliminação da reprodução e às vezes óbito (HOHENDORFF, 2003).

Em animais domésticos, têm sido demonstrado que alguns fatores estressantes levam a queda da produção, transtornos reprodutivos, distúrbios comportamentais e alterações fisiológicas importantes. Em vacas leiteiras, o estresse calórico leva a uma queda na produção de leite devido ao menor consumo de matéria seca, ocorrendo um balanço energético negativo prolongado pós-parto e aumentando o intervalo entre partos. Além disso, há uma queda na fertilidade, evidenciada por ausência de manifestação de estro e diminuição da eleição de um folículo dominante (RENSIS & SCARAMUZZI, 2003). Em suínos, a restrição alimentar, uma forma de manejo adotado na maioria das granjas comerciais, para evitar que as porcas cheguem ao final da gestação com sobrepeso, tem gerado o aparecimento de comportamentos anormais. Como os animais ficam saciados por menos tempo, é comum observar os animais inquietos, roendo barras de ferro, engolindo ar (aerofagia), ficando agitados no recinto, entre outros comportamentos estereotipados (DANIELSEN & VESTERGAARD, 2001).

Altos níveis de cortisol foram observados em porcas mantidas nestas condições, influenciando negativamente os índices reprodutivos e o bem estar. O uso de fibra na dieta, tem sido adotada para fazer com que a sensação de saciedade possa ser fornecida, minimizando estresse (SPOOLDER et al, 1996; DANIELSEN & VESTERGAARD, 2001).

A qualidade de vida pode ser afetada pelo confinamento em animais domésticos, como observado em animais criados em confinamento, como suínos, que apresentam níveis altos de cortisol em comparação com animais criados em áreas maiores.

O reagrupamento social, uma prática de manejo adotada principalmente em suínos, objetivando formar lotes com o mesmo peso, mesmo estado fisiológico, idade ou outro parâmetro qualquer, faz com que ocorra brigas para restabelecimento de hierarquia social, dificuldade de acesso a alimentação e agressões. Este tipo de manejo leva a ativação do eixo HHA e altos níveis de ACTH, adrenalina, noradrenalina e cortisol (RUIS et al, 2001).

É conhecida a maior resistência ao calor em raças zebuínas (Bos indicus), porém tem sido observado que o excesso de cortisol poderia suprimir a ação do sistema renina-angiotensina-aldosterona, sendo compensado por outros sistemas fisiológicos na resistência a desidratação (PARKER et al.,2004).

Apesar dos efeitos conhecidos da inibição do CRH sobre o eixo HHG, no faisão coleira (Phasianus colchicus), parece não haver relação negativa entre níveis de corticosterona e testosterona (MATEOS, 2005).

Em animais de vida livre, a hierarquia social e a manutenção da dominância podem levar os animais a quadros de constante estresse. Em lobos (Canis lupus) altos níveis de cortisol foram associados com animais dominantes, sendo de alto custo para a espécie manter dominância, devido ao estresse crônico (SANDS & CREEL, 2004).

Estudos realizados buscando mensurar estresse fisiológico em animais de vida livre servem como parâmetro para avaliar os desafios no habitat natural. Em lêmures (Lemur catta), foram encontrados níveis de cortisol altos no final da gestação e fim de estações secas (CAVIGELLI, 1999).

Alguns animais utilizam técnicas de dominância no grupo para estabelecer seu sucesso reprodutivo, em detrimento de outros indivíduos da mesma espécie. Em marmotas (Marmota marmota) a supressão da reprodução está relacionada com aumento dos níveis de glicocorticóides em fêmeas subordinadas (HACKLÄNDER et al., 2003).

Minimizando o estresse

Estudos de comportamento em animais de zoológico contribuem para o bem estar dos animais cativos e auxiliam na formulação de métodos mais efetivos para o desenvolvimento de ambientes e técnicas de manejo adequado, bem como para a reprodução em cativeiro e reintrodução de animais a vida livre. Estes estudos, por exemplo, tiveram papel essencial na reintrodução de micos leões dourados (Leontophitecus rosalia) nascidos em cativeiro.

Uma das formas de propiciar melhores condições de vida aos animais em parques zoológicos é através do uso de enriquecimento ambiental (HOHENDORFF, 2003). O enriquecimento ambiental consiste em uma série de modificações no ambiente físico e social, melhorando a qualidade de vida dos animais cativos por contemplar suas necessidades etológicas (BOERE, 2001).

Segundo SHEPHERDSON (1998), o enriquecimento ambiental é um princípio no manejo animal que procura ampliar a qualidade de vida dos animais em cativeiro através da identificação e fornecimento de estímulos ambientais necessários para alcançar o bem-estar psíquico e fisiológico, estimulando comportamentos típicos da espécie, reduzindo estresse e tornando o ambiente cativo mais complexo e diverso.

A redução do estresse, a diminuição de distúrbios comportamentais, redução de intervenções clínicas, diminuição da mortalidade e aumento de taxas reprodutivas são alguns benefícios do enriquecimento ambiental (CARLSTEAD; SHEPHERDSON, 2000).

Aspectos estruturais do ambiente podem influenciar parâmetros fisiológicos e o comportamento dos animais. Ratos mantidos em gaiolas com enriquecimento ambiental tiveram significativa diminuição de ACTH (BELZ, 2003). Resultados de pesquisas foram beneficiados com o uso do enriquecimento ambiental. Em trabalhos de pesquisa atuais, os animais de laboratório cujo bem-estar não está sendo suprido são fisiológica e imunologicamente anormais, podendo levar a conclusões não confiáveis.

Estudos de comportamento dos pandas fizeram com que as taxas reprodutivas triplicassem em sete anos, através do enriquecimento ambiental, observação dos sinais de estro, e familiarizando os casais através de estímulos visuais e olfativos no período reprodutivo. O fornecimento de melhor qualidade de vida aos animais deve estar acima da intensificação da produção, visando melhores índices produtivos sem deixar de lado o bem-estar animal.

Referências bibliográficas

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