A esporotricose constitui-se em dermatopatia ergodermatosica, de características antropo ou saprozoonotica que tem como principais fontes de infecção os felinos domésticos, vegetais e o solo. Tem ela como epônimos as denominações de Enfermidade de Schenk, “maladie de vacance”, Enfermidade dos: veterinários, jardineiros e floristas. Detectam-se, vez por outra, surtos epidêmicos e epizoóticos, tal como o evidenciado, no final do Século XX, em felinos, caninos e humanos, no sudeste brasileiro. Revisam-se aspectos de ocorrência, etiopatogenia, clínicos, de diagnose, prognose e terapia de pacientes animais (caninos felinos e equinos).
Palavras-chave: Sporothix schenckii Zoonose Ergodermatose. “Enfermidade Schenck”.
Introdução
A esporotricose constitui-se em micose subcutânea, caracteristicamente pápulo-nodular, em fase preclinica avançada e ulcero gomosa, naquela tardia. O agente causal, o fungo Sporothrix schenckii (Schenck, 1898), e monoespecífico e dimórfico, ou seja, tem aspectos micro e macromorfológico distintos, em função do substrato e da temperatura, naquela ambiente (25 oC) e filamentoso e a 37 o C e leveduriforme, tal como se apresenta no suscetível, animal ou humano.
Epidemiologicamente, a infecção, subaguda ou cronica, tem distribuição ubiquitária, cosmopolita, hoje evidenciada, principalmente, no meio urbano suplantando a ocorrência rural de outrora. A despeito de ser micose universal e bem mais ocorrente em condições climáticas tropical e subtropical. Embora seja prevalente nos EUA, tem maior importância epidemiológica nas Américas Central e do Sul, mormente no México (região central) e no Brasil. Foi frequente na Europa, na Franca (“maladie de vacance”) e, ainda, pode ser evidenciada no Japão2.
A despeito de sua endemicidade, historicamente tem ocorrido sob a forma de surtos epidêmicos, tal como o evidenciado no Seculo XX, na década de 40, na Africa do Sul, na mina de ouro de Witwatersrand, acometendo cerca de 3.000 mineiros. Na década de 90, em Wisconsin (EUA), relacionou-se um brote epidêmico, acometendo principalmente jardineiros que se infectaram com palha, contaminada pelo Sporothrix,
que envolvia sementes de coníferas comercializadas e enviadas pelo correio a diversos estados daquele Pais3.
Na America do Sul, mormente no Brasil, ao findar do Século XX, grassou sob a forma epidêmica e epi-zootica, no Rio de Janeiro, computando-se, entre 1998 e 2004, 2.326 pacientes acometidos (759 humanos, 64 caninos e 1.503 felinos), dois quais naquele surto, respectivamente, 85% e 83,4% dos pacientes caninos e felinos haviam tido contacto com gatos esporotricóticos.
Os pacientes humanos relatavam o iniciar do quadro a partir de arranhadura e/ou mordedura de felinos em 55,8% dos casos4. Em pais vizinho, no Uruguai, tem se relatado casos humanos (80%) decorrentes do contacto com a terra de tocas ou diretamente com unhas de tatus, em caçadores de Dasypus septemcinctus2.
Em São Paulo, a partir dos anos 50, com o primeiro relato mundial de transmissão humana de esporotricose, a partir de fonte de infecção felina, por Floriano de Almeida et al., em 1955 apud Lacaz1, precedendo os relatos na Capital5 e em Botucatu6, tem-se diagnosticado um maior numero de casos nestes espécimens (25:1) relativamente aqueles de caninos, da ordem de 1,5 casos/ano, no período de 1986-20027.
A casuística paulistana, do Hospital Veterinário da FMVZ/USP (1996-2002) permitiu evidenciar em 25 domicílios urbanos, onde era criado igual numero de felinos, transmissão a outros animais em 15 (60%) propriedades. Dentre 49 felinos contactantes, com os 25 gatos enfermos, 18 (36,7%) infectaram-se. Em sete (28%) propriedades se comprovou a infecção em, também, sete proprietários contactantes dentre 15 conviventes com gatos esporotricótico. A forma de transmissão usual entre animais e humanos se da através da arranhadura ou mordedura, pelos felinos enfermos ou portadores assintomáticos. No Brasil, a positividade em cultivo micológico, a partir de material colhido da boca e das garras de felinos, e de, respectivamente, 42% e entre 0,7 a 40%7.
Afora a transmissão ao homem a partir de felinos, que se infectam entre si em folguedos ou brigas, mormente entre animais errantes ou querenciados, há possibilidade de infecção humana, por forca de atividades ocupacionais, caracterizando a enfermidade como verdadeira ergodermatose que acomete horticultores , sementeiros, chacareiros, jardineiros, floristas, colchoeiros, que se infectam através de espinhos, talos de plantas, palha, ou ainda, de tosadores e tratadores de animais, acadêmicos de Medicina Veterinária e profissionais veterinários que são vitimas ocasionais de arranhaduras e mordeduras.
Alem dos carnívoros domésticos, os herbívoros, representados pelos equídeos são habituais suscetíveis. Nos EUA, a esporotricose equina representa 0,22% de todas as dermatopatias daqueles espécimens, atendidos no hospital-escola da Universidade de Cornell8. Embora tenha sido bastante frequente em equídeos de tração no Brasil nas décadas de 40 a 60, na atualidade não se dispõem de estudos noseograficos que estimem sua ocorrência. Ha, ainda, relatos de infecções de primatas, bovinos, camelinos, murinos, caprinos, suínos, aves, de animais de vida livre (tatus), peixes (golfinhos) e de artrópodes (abelhas, pulgas, formigas) que, eventualmente, inclusive, podem servir de fonte de infecção ao homem e a animais de guarda e companhia.
Em termos de rotina da clinica dermatológica, no Brasil, e inegável que as doenças de etiologia fúngica, que representam a segunda dermatose mais frequente dos felinos (18% a 21% de todas as dermatoses de gatos atendidos na Capital de São Paulo, no HOVET/ USP, entre 1986 e 2007) devam sempre estar entre as pressuposições de diagnostico de gatos portadores de lesões erodo ulceradas. A frequência de ocorrência da esporotricose felina, em São Paulo, foi da ordem de 3,4%, entre os anos de 1999 a 2007, percentil este praticamente similar aquele (3,8%) da criptococose felina que, alias, guarda estreita semelhança clinica com a “Enfermidade de Schenck”9,10.
Etiopatogenia
O agente etiológico da esporotricose, caracterizado nos EUA e Brasil, respectivamente, em 1898 por Schenck apud Larsson, et al.7 e em 1907 por Lutz e Splendore apud Larsson, et al.7, pertence a Familia Ophiostomataceae, Ordem Ophiostomatales, Subclasse Euascomycetes, Divisão Ascomycota. Caracteristicamente, e fungo demasio, produtor de melanina, que o protege da fagocitose, da destruição macrofágica e por proteínas extracelulares.
Quando em vida parasitaria ou em cultivo fúngico, em meios ricos (Agar-Infusão cérebro-coração/BHI) a 37 oC, cresce como levedura (forma “Y”, de “Yeast”), assumindo forma “em charuto”, “ovaloide”, ou arredondado.
Quando cultivado em Agar Sabouraud, a temperatura ambiente, tem crescimento micelial (forma “M”, de “mold”). Os micélios tem hifas delgadas, septadas, delicadamente ramificadas, com aglomerados de conídeos, em forma de margarida ou crisântemo. A infecção se da pelo contacto com o solo (transmissão dita geofílica, a partir do escavar e encobrir as dejeções com terra pelo habito inato dos felinos), com vegetais secos ou em decomposição (locais de afiação ungueal de gatos errantes), pela mordedura e arranhadura do suscetível.
Após a entrada do agente no tegumento, estabelece-se período pre-patente, de duração assaz variável (três a 84 dias, com media de 21 dias). Na dependência do estado imunitário do paciente a lesão inicial pode permanecer localizada no ponto de inoculação traumática (esporotricoma ou cancro esporotricotico) e ate involuir espontaneamente, remanescendo apenas a “cicatriz” imunológica”, configurada, no homem, pelas provas intradérmicas positivas a esporotriquina. Aparentemente, ha muitas infecções frustras, pela imunidade constitucional, total ou parcial, ao S schenckii de algumas especies animais (caninos) e do próprio paciente humano. Todavia, em casos de imunocomprometimento por iatrogenia (esteroides, citostáticos), por infecções: virais (FIV e FeLV), protozoóticas (leishmaniose), bacterianas (erliquiose), em pacientes humanos adictos (etilismo) pode a infecção disseminar-se, tegumentar ou sistemicamente7,11. Merece destacar que a sempre referida e aventada inter-relação entre a esporotricose felina e as infecções retroviróticas (FIV e FeLV) inexiste. Trabalhos brasileiros, desenvolvidos no Rio de Janeiro12,13 demonstraram cabalmente, a partir de cotejamento de positividade ao hemocultivo e em reações sorológicas (FIV e FeLV), que inexiste a correlação esporo e retrovirose.
Esporadicamente, a infecção esporotricótica pode ocorrer, também, por vias alternativas, tais como as aéreas ou digestiva, levando a subsequente doença sistêmica. A transmissão aerógena ou anemófila foi bem evidenciada no surto epidêmico ocorrido nos anos 40, na Africa do Sul, quando os mineiros da celebre mina aurífera Witwatersrand se infectaram pelo fungo que colonizava o madeirame de sustentação dos tuneis escavados.
Na atualidade vem sendo utilizadas provas requintadas (RFLP – limitação do polimorfismo do comprimento de fragmento e o mtDNA-DNA mitocondrial) como métodos de identificação, taxonomia, tipagem e de caracterizacao epidemiologica do Sporothrix permitindo a elucidação de fatores de virulência e resistência do agente2. A esporotricose constitui-se em infecção proteiforme, redundando em múltiplas lesões cutâneas ditas elementares (formações solidas, perdas e reparações teciduais) e, excepcionalmente, afetando outros órgãos da economia animal. Com frequência assestam-se, tais lesões, nas regiões cefálicas e do esqueleto apendicular (membros torácicos, patas) e, de forma menos usual, nos membros pélvicos e no tronco.
Como formas clínicas da esporotricose dentre as inúmeras proposituras classificatórias, consideram-se a cutânea (cutâneo linfática, cutâneo localizada, cutâneo disseminada) e a extracutânea, tal como se verá adiante.
Exame Clínico
Pelas características especificas dos aspectos epidemiológicos e do cortejo mórbido, variável segundo o especime acometido, passa-se a pormenoriza-los. Felinos Inegavelmente, tais especimes são os que pagam o maior tributo a infecção esporotricotica e que representam a maior fonte de preocupação de dermatólogos veterinários e humanos, em face da potencial transmissibilidade.
Do ponto de vista clínico-epidemiológico, no Brasil, considerando trabalhos paulistas e cariocas14,15,16,17 enfocando centenas de casos diagnosticados, nos últimos cinco quinquenios, trata-se de infeccao preponderante em machos (65%); com média etária de 24 meses (87% dos casos em gatos com ate 48 meses de vida); com evolução clínica, em media, de oito semanas (1-128 semanas); compondo-se por duas (25%), três ou mais (40%) áreas lesadas, topograficamente dispostas nas regiões cefálica (57%), membros torácicos (14%) e em superficie mucosas (35%). Na casuística carioca, foi notável a frequência (57%) de quadros extracutâneos (trato respiratório: 44%). Investigando-se eventual co-morbidade com infecções retroviroticas constatou-se, no Rio de Janeiro, que a Sindrome da imunodeficiencia felina (FIV), demonstrada pela positividade sorológica, era de 19,7%, a leucemia felina viral (FeLV) de apenas 1,4% e a soropositividade a ambas as retroviroses atingia, tão somente, 0,7% dos casos. Instalada a infecção, o agente, já sob a forma levedurica (“Y”), pode permanecer no ponto de entrada (esporotricoma) na dependência do estado imunitario
de suscetível, caracterizando como lesão papular ou pápulo nodular fixa, na chamada forma cutanealocalizada, desprovida de linfangite ou enfartamento linfonodal.
Havendo falha na imunidade celular pode haver, então, evolução, ainda na forma cutânea localizada, como lesão ulcero gomosa, por vezes com linfangite. Raramente, nos felinos, ha manifestação lesional verruciforme (terceira forma cutâneo localizada), que e mais corriqueira dentre os cães. Também e incomum, nos felinos, a forma cutaneolinfatica (frequente em equinos). No entanto em gatos gravemente debilitados, muitas vezes, por fenômenos iatrogênicos (“eu não sabia o que era... então entrei com corticoides”...), infelizmente, evolui para a forma disseminada.
Em São Paulo, tem-se evidenciado formas letais de esporotricose felina, manifestando-se extracutaneamente em pulmões, rins, testículos, articulações e ossos5,7.
A esporotricose cutânea, nos felinos, contrariamente ao evidenciado nos demais espécimens, mormente dentre os pacientes humanos, caracteriza-se por uma pletora de organismos nos exsudatos e em lesões cerradas, dai a enorme importância que lhes e atribuída como fonte de infecção. Afora as formações solidas e as perdas teciduais pode-se, ainda, evidenciar alopecia, disposição de lesões satélites (corimbiformes) e tratos fistulosos, drenando exsudato serossanguinolento.
Insolitamente, não ha qualquer manifestação álgica, em quaisquer das formas clinicas. Refere-se a uma provável autorretroinoculacao com o desencadeamento de novas lesões, a partir da lambedura ou mordiscamento de áreas corpóreas ainda hígidas. Por vezes se evidenciam lesões em extremidades de membros, principalmente os torácicos. Pressupõe-se que, justamente, quando o paciente afia suas garras em troncos de arvores, onde o Sporothrix schenckii coloniza na forma “M”, qual seja de bolor, haja a entrada do agente, evoluindo como onicomicose, onicomadese, com flagrante onicodinia e ate levando a claudicação ou a impotência funcional ipsilateral.
Uma vez pressuposto a existência de quadro esporotricótico e mister que seja diferenciado de outras dermatopatias, tais como: leishmaniose, criptococose, síndrome leproide felina, abscessos bacterianos, mico bacterioses tegumentares atípicas, granulomas por corpo estranho, histiocitose reativa e inúmeras neoplasias.
Equinos
Tal como o referido anteriormente, inexistem dados atualizados da ocorrência da esporotricose equina no Brasil, embora tenha sido ela bastante frequente nas décadas de 40 a 60, do Seculo XX15. Esporadicamente, descrevem-se casos isolados da enfermidade. Nos EUA, em Ithaca (New York), dentre 900 equinos dermatopatas atendidos (1979-2000), situava-se como a 68a dermatite equina.
A forma clínica corriqueira e a cutâneo-linfática, ascendendo a partir da porta de entrada (membros torácicos ou pélvicos: boletos; escapula; cadeira; períneo) via trajeto linfático, manifestando-se como nódulos indurados, morfologicamente com aspecto encordoado, levando ao clássico sinal dermatológico do “rosario esporotricotico”. Tais nódulos, indolentes e apruriginosos, podem assumir aspecto ulcero gomoso ou, ainda, abscedar drenando exsudato serorsanguinolento ou purulento. Os linfonodos regionais, distantes do ponto lesado, no geral, não se apresentam aumentados de volume8.
Nao ha qualquer referencia bibliografica, dentre aquelas compulsadas, que refiram qualquer predisposição racial, sexual ou etaria a esporotricose equina. A diferenciacao diagnostica deve ser executada descartando outras infeccoes granulomatosas, inclusive a leishmaniose tegumentar equina; granulomas por corpos estranhos e neoplasmas18.
Caninos
Retratando certa resistência ao assestamento da esporotricose- doença, a enfermidade e pouco frequente nos caninos, destarte em animais imunocomprometidos iatrogenicamente (terapia: esteroidal, antipruriginosa, anti-inflamatória ou imunossupressora de longo curso), por enfermidades infecciosas (leishmaniose, erliquiose) ou neoplásicas (linfomas) pode, a infecção, evoluir com manifestações lesionais caracterizadas nas formas cutânea (cutaneolinfatica, cutaneadisseminada) e ate extracutânea.
A forma cutânea e condição multinodular, tipicamente sediada no tronco, membros e região cefálica, tanto em nível dérmico como panicular. Os nódulos podem evoluir com aspecto gomoso ou ulcerado, drenando copioso exsudato purulento e encrostando (crostas hemáticas, hemo purulentas). Já a forma cutâneo-linfática origina-se de lesão primitiva, papular ou pápulo nodular, sediada, habitualmente, em patas e ao longo dos membros. A infecção ascende pelo trajeto linfático, gerando nódulos secundários e linfangite (aspecto encordoado dos vasos linfáticos). Essa forma, geralmente, esta associada a linfoadenomegalia regional.
No Brasil, mesmo na casuistica carioca, de sete anos (1998-2004), envolvendo 1.567 animais acometidos (64 caninos e 1.503 felinos), no surto epizootico já referido, a esporotricose canina e evento mórbido pouco frequente. A proporcao de casos caninos em relacao aquela de felinos, tanto em Sao Paulo como no Rio de Janeiro, e da ordem de 1:25 casos4,7. Pela compulsao bibliografica evidencia-se relatos de casos de esporotricose canina em Sao Paulo, Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul19,20,21,22,23,24,25,26,27. Inexiste, ao menos ate entao, relato de transmissao canina ao homem, quica pela paucidade de organismos presentes em exsudatos drenantes ou em tecidos infectados do paciente canino28.
O diagnostico diferencial, perante aquele de suspeição de esporotricose canina, deve ser executado com outras enfermidades de etiologia fungica (criptococose), protozootica (leishmaniose), bacteriana (nocardiose, micobacterioses tegumentares, piodermites profundas) e neoplasica (linfomas, mastocitomas, histiocitomas). Alias, tanto em caninos como em felinos, em funcao do isomorfismo e do potencial de transmissao antropozoonotica, todo e qualquer quadro papulo nodular, ulcero gomoso ou ulcerado deve ser diferenciado com enfermidades tais como: leishmaniose (L), esporotricose (E), micobacteriose (M), criptococose (C ) e neoplasia (N), que originam a classica e minemonica sigla, qual seja, LECMN, utilizada como regra diagnostica aurea por dermatologos veterinarios brasileiros.
Diagnóstico e Prognóstico
O diagnostico da esporotricose deve basear-se em dados relativos a resenha, por vezes, facilitando a linha de raciocínio. Animais de raca indefinida, por vezes menos sujeitos a cuidados de seus proprietários; machos, já que os donos são mais permissivos quanto a deambulação extradomiciliar de machos caninos e felinos; criação no exterior do domicilio e tipo de destinação (como cães de caca), são fatos coligidos que devem ser levados em conta. A anamnese, pela qual se caracteriza: evolução; topografia lesional; progressão, secundando terapia ou quadros imunossupressores; exposição as fontes de infecção, animadas ou inanimadas; presença de quadro tegumentar similar em contactantes, propicia elementos valiosos para a consecução diagnostica.
O exame fisico permite a tipificacao, topografia e distribuicao lesional e a eventual presenca de sinais patognomonicos (“rosario esporotricotico”). Finalmente, deve-se, sempre, amparar se em resultados de exames subsidiarios “intra vitam” tais como: citodiagnostico; exame micologico (cultivo); histopatologia; provas sorologicas; testes intradermicos; a hoje, extremamente discutida, inoculacao em animais e na reacao em cadeia de polimerase (PCR).
Citodiagnóstico
O citodiagnóstico, a partir de material (exsudado, aspirado, decalcado, biopsiado) submetido as colorações de Gram, Wright, Giemsa, Rosenfeld, permite que se evidencie, principalmente em gatos, uma pletora de formas leveduriformes, arredondadas, ovaloides, em forma de “charuto”, com 3-5 cm de diâmetro e 5-9 cm de comprimento. Em cães e equinos tais formas são escassas ou muito raras. Independentemente dos resultados obtidos pela citologia deve-se, sempre, também, colher e submeter o material a exame micológico. A despeito de não ser usualmente empregada, na rotina da clinica dermatológica veterinária, pode-se recorrer as colorações pelo PAS, Azul alciano e Gomori. Considera-se, ainda, como técnica mais sensível e especifica aquela com anticorpos fluorescentes, incubando-se o esfregaço a 37 oC de temperatura por 12 horas11.
Exame micológico
A partir do material colhido, ate de coágulos sanguineos17, deve se realizar o cultivo em Agar Sabouraud dextrose, acrescido de cicloeximida (25° e 37°C), Agar BHI (37°C) ou no Meio de Celeste Fava Neto (37°C), realizando-se, quando do crescimento fúngico sob a forma de colonias castanho enegrecidas, microcultivo em lamina (25 °C), para caracterizar os aspectos micromorfologicos do agente (conidióforos com conidios elípticos em forma de “margarida” ou “crisantemo”. O cultivo demanda entre dez e 14 dias para propiciar ou afastar o diagnostico etiológico. A possibilidade de se estabelecer o diagnostico, através de isolamento do agente, oscila entre 34% e 94% dos casos, na dependência da origem do material colhido (decalque de garras – 39,5%; cavidade oral – 42%; coagulo sanguíneo, de animais em fungenia - 34% e vias aéreas anteriores – 94%)13.
Histopatologia
Previamente, deve-se, cuidadosamente, com mãos sempre enluvadas, escolher área de lesão nova, intacta, não drenante e submete-la a biopsia incisional ou excecional. Em função do numero extremamente variável de organismos, oscilando desde um grande numero (felinos) ate escassos agentes presentes (caninos, equinos) recomenda-se, afora o clássico HE, recorrer as técnicas argênteas de metenamina de Gomori ou Grocott ou, ainda, aquela do Acido periódico de Schiff (PAS). Os organismos são pleomorficos, arredondados a ovaloides, ocasionalmente observados em franco brotamento (3-8 mm de diâmetro).
Dentro de seu polimorfismo, por vezes, observam se os agentes em formato alongado, dito “em charuto” (arredondados, quando em corte) de ate 10 mm de comprimento, tanto livres como alojados no interior de macrófagos. A contracao citoplasmatica, induzida pela preparação histológica, gera um espaço claro com presença de núcleo central28. Histologicamente a epiderme, canina e felina, e de acantotica a ulcerada. Ha graus variados de exosserose e encrostamento. A flogose difunde-se no derma, superficial e profundo, e no paniculo.
Observam-se grandes focos necróticos. Os vasos dérmicos podem ser proeminentes, de permeio ao infiltrado. Detectam-se macrófagos, presentes de forma difusa, entremeados por entre neutrófilos, geralmente mais abundantes e congregados nos focos de necrose. Nos espécimens caninos, por vezes, ha presença de piogranulomas. Linfócitos e plasmócitos são em numero variável, distribuindo-se perivascularmente ou em forma nodular. Quando de numero escasso de agentes, recomenda-se, quando possível, empregar a coloração com anti- Mycobacterium bovis policlonal28. O exame histopatológico permite o estabelecimento do diagnostico etiológico em percentis de 95% a 100% dos casos13,15.
Provas Sorológicas
A despeito de seu raro emprego, em medicina veterinária, sendo mais indicadas para trabalhos acadêmicos e nao de rotina clinica, pode-se empregar as reações de fixacao do complemento, imunodifusão, imunofluorescência indireta e, principalmente, a mais sensível, especifica e de fácil execução, que e a soro aglutinacao14.
Testes Intradérmicos
Para o teste da esporotriquina, utiliza-se de antígeno, obtido de cultivo de leveduriforme ou de polissacarídeos do Sporothrix, aplicado intradermicamente, submetendo então a leitura da eventual lesão presente, apos decorridas 48 horas. Trata-se de reação muito sensível, porem pouco especifica, muito frequente, em termos de positividade, em individuos higidos. Pode se apresentar como negativa nas formas cutâneas disseminadas ou extra cutâneas. Trata-se de exame complementar útil para a exclusão da suspeita clinica, já que a negatividade afasta tal diagnostico. A positividade e perene, embora possa, também, retratar infecção a outros agentes fungicos11. Infelizmente, não ha experiencia acumulada do emprego da esporotriquina, em termos da clinica dermatológica veterinária.
Inoculação em animais
Esta prova e, hoje, raramente empregada. Baseia-se na reprodução do quadro clinico apos a inoculação de material provindo do paciente, em animais de experimentação como ratos, hamsters e camundongos.
Reação em Cadeia de Polimerase (PCR)
O método do PCR foi desenvolvido para a detecção do agente, diretamente a partir de amostras teciduais biopsiadas de pacientes, felinos e humanos, com esporotricose, recorrendo-se a “primers” oligonucleotideos baseados no gene quitina-sintetase 1 (CHS1) do S. schenckii3. No hemisfério sul, inexistem relatos de sua utilização. A prognose oscila em função da condição imunitária do paciente, da extensao e do tempo da evolução do quadro e da especie animal acometida. Hoje tem a esporotricose, “prognosis quoad tempus, valetudinem et vitam” de reservado a mau, em ordem decrescente, em pacientes caninos, equinos e felinos.
Terapia
O no górdio da terapia da esporotricose era aquela dos felinos acometidos, hoje, felizmente, suplantada com a pletora de antifungicos, tanto fungistaticos como fungicidas, disponíveis.
Os caninos e equinos esporotricóticos respondem bem a terapia com halogenados, mormente o iodo, sob a forma de iodetos, indicados no tratamento de pacientes humanos, desde o inicio do Seculo XX, e extrapolado para os pacientes animais. O modo de ação e pouco conhecido. In vitro tem ação duvidosa e in vivo, acredita-se que a atividade e exercida mais sobre o hospedeiro do que sobre o próprio parasita.
Os antifúngicos, hoje, mais empregados incluem os, ditos quimioterápicos: derivados azolicos, principalmente triazolicos (de primeira geração: itra e fluconazol) e alilaminicos (terbinafina). Destes, a terbinafina e o único fungicida, no entanto se tem pouca experiência acumulada, ao menos na terapia das micoses ulcero gomosas com tal ativo. Independentemente do protocolo de terapia eleito e mister que o clinico e, principalmente, os proprietários, se precavenham quando da manipulação do paciente, para a administração do fármaco per os ou de forma tópica, mormente, quando o animal esporotricótico for um espécime felino.
Terapia dos Felinos
Ainda hoje se insiste na terapia halogenada, sabidamente infrutifera e plena de insucesso, segundo a experiencia paulista7. Embasados em dados de bibliografia tentou-se, inumeras vezes, em São Paulo, tratar pacientes felinos com iodeto de sodio
ou potassio, resultando apenas e quando muito, na inducao de iodismo ou iododerma, entre os anos de 1986 e 1993. A partir de pioneira e fortuita experiencia, no ano de 1993, aqueles clinicos dermatologos, nao mais tiveram insucesso, quando recorreram
a associacao do itraconazol a 5-fluorocitosina, reduzindo quase que completamente a letalidade da esporotricose felina.
O itraconazol e usado na terapia da esporotricose, desde 1993, no Brasil e então, em outros países, na dosagem diária de 10 miligramas por quilograma de peso de felinos, por via oral, diariamente e por meses, havendo casos em que a terapia pode se prolongar por ate um ano7. Apos a plena remissão lesional, deve o tratamento ser mantido por mais quatro semanas, encetando-se, então, o seguimento clinico, se possível através de exames subsidiários invasivos, tal como a histopatologia, naqueles casos em que haja o ressurgimento de novas lesões.
Considera-se que o triazolico em tela, sob a forma de solução e preferido em detrimento da apresentação encapsulada pela melhor absorção e biodisponibilidade quando na dosagem de 1,25 a 1,5 mg/kg SID3. Em função de alguns raríssimos casos relatados de hepatotoxicidade induzida pelo itraconazol pode- se, amiúde, solicitar monitorização bioquímica sérica das transferases (ALT e AST) e da fosfatase alcalina.
Como efeitos colaterais sistêmicos descrevem-se quadros anoreticos, emeticos e de perda ponderal. Esporadicamente, pode haver, também, manifestações farmacodermicas (vasculites).
Alternativamente, poder-se-ia recorrer aos alilaminicos, embora inexistam trabalhos que avaliem sua eficacia e seguranca3. Jamais deve o clinico aventar um possivel emprego, por mais tentador que seja, de esteroides ou de outros farmacos anti inflamatorios, mas dotados de acao imunossupressora, o que constitui evidente ma
praxis clinica.
Terapia dos Caninos
Os eventuais e raros casos de esporotricose canina podem ser submetidos a terapia halogenica, com solução saturada de iodeto de sódio ou potássio a 20%. A dosagem recomendada e de 40 miligramas por quilograma de peso (0,4 ml/kg), TID, per os, mesclado a alimento ou no pós-prandial, ate a plena remissão lesional e, então, por periodo adicional de 30 dias29. Eventuais manifestacoes de iodismo, raríssimas por sinal, são retratadas por epifora, corrimento nasal, pelame baco e ressequido, disqueratinizacao acentuada, emese, depressao e colapso. Nestas condicoes, deve-se incontinente suspender a ministracao por, pelo menos, sete dias e, entao, acompanhar a melhora clinica, podendo reinstitui-la tateando a dose ate atingir dose segura. Em caso de ressurgimento de efeitos adversos, deve-se recorrer a protocolo alternativo com itraconazol, em dosagem similar aquela descrita para felinos.
Alguns autores referem-se ao emprego do cetoconazol (15 mg/kg, per os, BID), por três a quatro meses. Tem este azolico potencial e comprovado efeito hepatotoxico, muito superior a seu congenere triazolico, também, em cães. O autor desta revisão não recomenda e tampouco emprega o cetoconazol na terapia da esporotricose canina.
Terapia dos Equinos
A esporotricose equina deve ser tratada com iodetos. Recomenda-se3,8 o emprego de solução saturada a 20% do iodeto de sódio, por via endoflebica (20-40 mg/kg), em venoclise lenta por dois a cinco dias e, então, per os, diariamente, ate a cura. A congenere solução com potássio pode ser utilizada, oralmente, a 1 a 2 mg/kg, BID ou SID, por sete dias e, a seguir, em metade da dose, SID. A forma orgânica de iodo, o EDDI (etilenodiamino di-hidroiodeto), e empregado em dosagem similar ao iodeto de potássio. A sua utilização e recomendada por dermatologos estadunidenses3 por decantada superior eficacia, em dosagem de 1 a 2 mg por quilograma de peso vivo de equino. Tanto essa apresentação como os demais iodetos são administrados com melaço ou com os graos de arracoamento.
A tolerância do paciente equino aos halogenados e reputada como boa. Alguns cavalos tratados manifestam os clássicos sinais de iodismo, já citados, associando-se a eles, ainda, sialorreia, inquietação e alteracoes cardiovasculares. As medidas minimizatorias são as mesmas já referidas. Em casos que necessitem de protocolo heterodoxo, recomenda-se, sempre refletindo sobre o custo do tratamento, o emprego de itraconazol, na dosagem de 3 mg/kg, BID.
Carlos Eduardo LARSSON1
1Departamento de Clinica Medica da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo, São Paulo-
SP, Brasil Braz. J. Vet. Res. Anim. Sci., São Paulo, v. 48, n. 3, p. 250-259, 2011