A historia humana e relação com os animais é longa e complexa. O antropocentrismo ainda está muito presente na sociedade atual em decorrência de resíduos culturais que remontam o século IV, quando o homem era tido como ser excelso e as ações eram voltadas apenas para seu bem-estar. Também no século XVII, a concepção do Universo e dos seres vivos como máquinas, contribuiu com a visão reducionista de que os animais não tem inteligência, que agem apenas por instinto, toda e qualquer relação com os animais esteve sempre vinculada a “commodities” para valores e necessidades humanas.
Há que se buscar o equilíbrio entre a saúde humana, animal e equilíbrio do meio ambiente, portanto, abandonar a visão antropocêntrica em busca de mudanças para paradigmas biocêntrico ou ecocêntrico, tem sido cada vez mais discutido em toda parte como uma necessidade premente de manutenção da vida. Deve-se abandonar a instrumentalização dos animais, em benefício das necessidades humanas. A sociedade deve reconhecer e incluir em programas de políticas públicas ações que viabilizem a segurança e o bem estar dos animais, incluindo os seres humanos e o ambiente natural (American Veterinary Medical Association, 2016).
Com a urbanização crescente em todo mundo e em especial no Brasil, a necessidade da criação e inclusão de políticas de controle das populações de animais de estimação como cães e gatos se faz cada vez mais urgente para todo gestor seja ele estadual ou municipal, uma vez que segundo dados do IBGE de 2013, o número de animais de estimação nos lares brasileiros já chega 74,3 milhões, sendo 52,2 milhões de cães 22,1 milhões de gatos (IBGE, 2013), sendo a maioria (56,7%) com guardioes com ensino médio e superior (Figura 1). A existência de leis específicas para o controle populacional não pode se manter apenas como um norteador dessas ações, mas sim um instrumento viável e factível dentro das múltiplas realidades regionais e locais em diferentes núcleos comuns entre cães/gatos-humanos no país.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde WHO (1990), as atividades isoladas de recolhimento e eliminação de cães e gatos não são efetivas para o controle da população. Portanto é imprescindível que todo programa seja ele amplo ou restrito, atue nas principais causas do problema do excesso populacional: a procriação de cães e gatos sem controle e a falta de responsabilidade humana quanto a posse, propriedade ou guarda de seus animais.
O controle das populações de animais e o controle de zoonoses devem ser contemplados
em programas ou políticas públicas nos diferentes municípios. A implantação de um programa de controle animal, além da alocação de recursos financeiros, técnicos e humanos, exige planejamento que englobe diagnóstico, ações preventivas, controle, monitoramento, avaliação e dedicação permanente (São Paulo, 2006).
Pontos chave para o controle das populações de cães e gatos devem ser definidos, estruturados, aplicados e mantidos permanentemente nos programas ou estratégias de controle populacional, mantendo um monitoramento e avaliação periódica dos resultados alcançados. É fundamental que se conheça a dinâmica populacional da área em que se pretende interferir, com a realização de censos ou estimativas populacionais, priorizando ações, etapas, recursos e atendendo necessidades reais de cada região alvo de implantação ou de readequação de um programa. Outra estratégia “chave” para subsidiar o planejamento das políticas de saúde pública é a implantação de um programa de registro e identificação de animais que formam um sistema de informação com dados que relacionam os proprietários ou tutores aos seus animais.
O registro e a identificação são instrumentos de responsabilização do proprietário, fomentam a cultura de propriedade, posse ou guarda responsável e possibilitam conhecer e dimensionar as populações de cães e gatos. De acordo com a Portaria GM, no. 1.172/2004, Ministério da Saúde, o registro e a identificação de animais são de responsabilidade das administrações municipais.
É recomendável que nesses programas se associe um método duplo de identificação, o visual com coleira e plaqueta a um permanente com uso preferencial do microchip ou características biológicas que fazem com que precocemente já apresentem amadurecimento sexual e capacidade reprodutiva ao redor dos 6 meses de vida. Possuem gestação curta, grande potencial de geração de filhotes que apresentam autonomia e capacidade de rápido desenvolvimento renovando ciclos reprodutivos e ampliando em curto espaço de tempo uma população espécie especifica, de forma desordenada e de alto risco sanitário aos próprios animais, aos humanos e ao ambiente
(São Paulo, 2006).
Esses fatores associados a falta de responsabilidade dos proprietários de animais contribuem para o crescimento populacional de cães e gatos, sem controle. Ações efetivas de controle da reprodução devem ser implantadas associadas aos outros pilares do programa de controle de populações, sendo recomendável o emprego de esterilização cirúrgica de machos e fêmeas, com técnicas minimamente invasivas.
Preferencialmente o controle cirúrgico reprodutivo pode ocorrer a partir de 8 semanas de idade, desde que cuidados específicos a essa população infantil sejam previstos, aplicados e monitorados eticamente.
O desenvolvimento de programas de controle cirúrgico devem ser acessíveis geográfica
e economicamente aos tutores de animais. Os interessados em conviver com cães e gatos precisam assumir o compromisso ético de desenvolver e manter hábitos e posturas de promoção e preservação da saúde e do bem-estar animal e preservação do meio ambiente. Este compromisso pode parecer simples, se consideradas as questões de alimentação, controle de mobilidade e estabelecimento de comandos básicos para garantir o cumprimento das regras sociais de convivência em grupos comunitários (Reichmann, 2000).
Entretanto, a manutenção consistente de uma postura abrangente, a responsabilidade jurídica e cuidados com abrigos, alimentação, controle da reprodução, prevenção de doenças e de agravos diversos requer uma cultura, cujas bases precisam ser estabelecidas com a participação de equipes multidisciplinares de educadores, profissionais de diferentes órgãos do poder público, representantes de segmentos sociais e, sobretudo, dos próprios interessados nesta convivência. Estratégias para a implantação e o desenvolvimento de política de informação, comunicação e educação precisam ser priorizadas e mantidas permanentemente e não apenas dentro da proposta clássica da formação escolar. Devem ser ampliadas para outros segmentos sociais organizados que incluem jovens e adultos, empresa, grupos organizados da sociedade civil, lideranças comunitárias, diferentes gestores locais, representantes sociais, e todos aqueles que direta ou indiretamente convivem com o animal em área urbana, rural ou de preservação ambiental em todos os municípios. (Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Programa de Controle de Populações de Cães e Gatos do Estado de São Paulo. São Paulo, 2006).
A oferta de abrigo e alimento para cães e gatos, também merece especial atenção. As condições existentes de recursos básicos no meio ambiente, predispõem a permanência ou a migração de animais de áreas com condições menos favoráveis á outras com mais recursos necessários a sua sobrevivência.
O armazenamento temporário e a destinação dos resíduos precisam ser analisados e políticas especificas implantadas em toda localidade. Para tanto, a relação intersetorial é outro ponto chave na discussão e implantação de políticas de controle populacional eficientes em um município. O manejo ambiental, sempre associado a programas educativos permanentes, deve fazer parte de foros de discussão em que a comunidade participe desde o diagnóstico, estabelecimento de prioridades, planejamento e execução das ações, até da avaliação e monitoramento dos resultados. A opinião pública desaprova cada vez mais o recolhimento de animais em instalações públicas para alojamento e manutenção. Desta forma mais uma vez o incentivo a propriedade, posse ou guarda responsável é de fundamental importância para o sucesso do controle de populações de cães e gatos, e os órgãos públicos locais responsáveis pelos programas de controle populacional de caes e gatos devem ser exemplos no manejo etológico e preservação do bem-estar dos animais, incluindo nestas ações aqueles casos onde esses animais precisem ser submetidos a eutanásia. Neste caso a observação de normativas federais do CFMV sobre o tema, devem ser observadas, bem como a capacitação e atenção a saúde dos trabalhadores deve ser “ pontos chave” de uma ação ética e humanitária.
Os órgãos públicos também devem desenvolver ações especificas e estruturadas com vistas ao controle do comércio de animais, associados aos programas educativos, de forma a coibir todas as ações que comprometem o bem- -estar dos animais e a aquisição desses por impulso. Pesquisas ainda em andamento apontam que, uma grande contribuição para populações de animais sem controle, são as crias indesejadas e abandonadas.
Os programas de adoção precisam seguir normativas do CFMV fazendo com que qualquer adoção ocorra, de fato, com os cuidados básicos de controle sanitário, os esclarecimentos etológicos, o registro e a vinculação do animal ao seu adotante, bem como o controle reprodutivo garantidos.
Desta forma ações específicas e voltadas de forma objetiva ética e eficiente a cada pilar do controle populacional podem a curto e médio prazo trazerem resultados transformadores para sociedade dentro das políticas de Saúde Única.
Referências bibliográficas:
1. 1. AMERICAN Veterinary Medical Association.
One Health – What is One Health? Disponível
em: <https://www.avma.org/KB/Resources/
Reference/Pages/One-Health94.aspx>. Acesso
em: 11 de Novembro de 2016.
2. 2. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde,
2013. Disponível em:.<http://www.ibge.gov.br/
home/>. Acesso em: 11 de dezembro de 2016.
3. 3. Ministério da Saúde. Portaria GM no. 1.172
de 15 de junho de 2004. Disponível em http://
gtr2001. saude.gov.br/sas/PORTARIAS/port2
004/GM/GM-1172.htm
4. 4. REICHMANN, M.L.A.B. e colaboradores,
Manuais Técnicos do Instituto Pasteur de Sao
Paulo- 1998-2003.
5. 5. SAO PAULO (Estado). Secretaria de Estado
da Saúde de Sao Paulo. Manual: Programa de
Controle Populacional de caes e gatos. Sao Paulo;
SMSP, 2006. 157p. Disponível em: ftp://ftp.cve.
saude.sp.gov.br/doc_tec/outros/suple5_cao.pdf.
Acesso em 20 de novembro de 2016.
6. 6. WHO.WSPA.World Health Organization;
World Society for the Protection of Animals.
Guidelines for dog population management.
Geneva, 1990. 116p.